É um final de tarde ligeiramente diferente na Plaza Mayor de Cáceres. Na escadaria do Ayuntamiento, num dos topos desta praça inclinada, um grupo de mulheres pára em silêncio, segurando uma faixa roxa. Detemo-nos na imagem por acaso e parecemos ser os únicos. A vida corre normal por aqui: revoadas de pássaros negros sobrevoam a praça, as esplanadas começam a encher-se, há encontros e passeios (caninos, muitos), passam trotinetas e skates fazendo soar o empedrado, um casal ensaia os primeiros movimentos em segway sob os olhares atentos dos guias antes de desaparecerem todos rumo ao centro histórico, há quem descanse na longa escadaria que leva ao Arco de la Estrella e quando de repente do céu cinzento se escapam uns raios de sol muitas máquinas fotográficas se erguem, felizes, com a benesse inesperada que doura a pedra das muralhas e faz brilhar mais intensamente o branco da praça.
Entretanto, o grupo de mulheres deafaz-se, sob a indiferença geral. São membros da Plataforma de Mujeres por la Igualdade (PMPI) de Cáceres: de cada vez que uma mulher morre em Espanha vítima de violência de género reúnem-se às 20h, sempre neste local, para um minuto de silêncio. Este ano, é a décima vez que o fazem, costumam ser mais e usar uma faixa alusiva – “No más asesinatos machistas”.
Há algo de simbólico, imaginamos, nesta manifestação silenciosa de mulheres cacerenhas em solidariedade com mulheres vítimas de violência, nesta cidade onde um punhado de mulheres deixou marcas. A algumas, o tempo já deu o carácter de indelével, outras ainda estão a passar o crivo dos anos – e aqui falamos de duas mecenas cuja acção está a ajudar a tornar Cáceres num centro artístico e, mais inesperadamente, numa meca da arte contemporânea. Inesperada porque há alguns anos ninguém pediria a Cáceres mais do que ser Cáceres. Uma cidade dentro de uma cidade: um reduto medieval e renascentista protegido por uma típica cidade de província; uma povoação extremeña que ora finge ser castelhana ora andaluza. Uma cidade que é Património Mundial da UNESCO e terceiro Conjunto Monumental da Europa.
Há mais de cinco séculos outra mulher se deteve na Plaza Mayor, um pouco mais adiante, defronte das Porta Nova da cidade – actualmente o Arco da Estrella. A rainha Isabel, a Católica, jurou defender os direitos e privilégios concedidos por Alfonso IX aquando da reconquista de Cáceres. Antes, como manifestação de força, havia ordenado que de todas as torres das casas da cidade fossem retiradas as ameias: retaliação pelo apoio à sua rival pelo trono de Castela durante a Guerra Civil e forma de controlar as contendas entre as poderosas famílias que aqui se estabeleceram depois da reconquista. Foram elas que desenharam o centro histórico de Cáceres, sobre a herança árabe, da mesma forma que estes o haviam feito sobre a herança romana. E, como nada se perde, tudo se transforma, Cáceres intramuralhas é um repositório de camadas de história que aqui estão como se numa cápsula do tempo, à espera de serem descobertas mesmo pelo mais incauto dos visitantes. É impossível passar ao lado desta viagem ao passado porque o passado é o presente de Cáceres - no seu duplo sentido.