Esta é uma imagem que veremos repetir-se por quase todo o centro histórico, a das casas-fortalezas, fechadas para fora, vividas para dentro, em torno de pátios e jardins centrais, que são o protótipo do edifício medieval aqui, terra de fronteira entre os reinos cristãos e muçulmanos. Não fora o súbito influxo de riqueza que Cáceres recebeu e seriam ainda mais. Mas houve o ouro do Novo Mundo e dele nasceram palácios ao estilo renascentista da época com a devida apropriação local: as construções de granito prosseguiram, mas desta feita com intromissões de delicadas colunatas, umbrais, janelas e varandas a suavizarem a austeridade que se manteve, contudo, como traço dominante. Isto apesar de a arquitectura não ser estritamente catequista em Cáceres, permitindo algumas surpresas bem-humoradas e bem registadas em qualquer guia da cidade, como por exemplo o sol esculpido à maneira infantil, de sorriso largo e olhos, na Casa Solís, ou, outro exemplo, o macaco que emerge também da pedra na Casa do Mono.
É um exercício curioso ver um guia de Cáceres. A legenda é uma espécie de “quem é quem?” (ou “quem foi quem?”) na cidade: casas e palácios seguidos pelo nome das famílias que os construíram constituem a maioria do património desta Cáceres monumental. Quase podemos sentir os fantasmas que continuam a viver para lá dos grandes portões fechados, cada qual guardião de histórias de família que tantas vezes se misturam com a história de Espanha. Até com a história do mundo, ou não estivéssemos na Extremadura, berço de conquistadores. E terras de exílio.
É impossível deixar escapar o nome Toledo-Monctezuma de um dos palácios. E aqui descobrimos o rasto de Isabel, filha de Montezuma, o último imperador azteca, mãe da que dizem ser a primeira mestiça mexicana, Leonor – filha renegada, resultado da violação do conquistador do México, Hernán Cortez, nascido como Pizarro, que derrotou os incas, na vizinha Trujillo. Este palácio e esta família são também símbolo de mestiçagem, forçada, pelo casamento entre Isabel e o conquistador Juan Cano de Saavedra: é um descendente deles que o constrói.
Labirinto cultural
São ecos que nos chegam do passado, lidos nas placas que agora são apêndices das nobres residências, agora sem nobres – apenas os descendentes de uma família mantêm moradia aqui, dizem-nos no posto de turismo, no vizinho palácio Hernando Ovando. No posto de turismo estamos no palácio Carvajal e como este muitos dos outros palácios estão ocupados por organismos públicos. Também se encontram uns poucos restaurantes, bares e hotéis de luxo (como o parador da cidade e o Atrio que começou a partir do restaurante, o único da Extremadura com duas estrelas Michelin), museus e até um consulado português aparentemente abandonado.
Quase aceitaríamos a afirmação de que está desprovido de habitantes o centro histórico de Cáceres, como nos chegam dizer. É preciso chegar às suas franjas para perceber que não. Nos adarves da muralha podem encontrar-se casas modestas, algumas maltratadas, o que não é o caso da antiga judiaria, o Bairro de Santo António, perto da única porta romana sobrevivente (a Porta do Cristo), que é isso mesmo, um bairro entre monumentos.