Um bairro com vida de bairro, entre o casario branco e rústico – e estamos a fingir Andaluzia –, onde Consolación Solís vive há 33 anos, desde que lhe nasceu o primeiro neto, que também vive nesta vizinhança de roupa a secar em cordas colocadas na rua e plantas a encher vasos e a trepar paredes. “Que lo tienes currado, que geranios!”, diz-lhe uma vizinha que passa pelo seu terraço que é quase caminho de passagem – está delimitado apenas por vasos – mas nem isso a impede de andar de pijama nesta manhã de sol. A antiga sinagoga está quase colada à sua casa, agora é a Eremita de Santo António, uma dezena de pessoas dentro, o silêncio das preces quebrado com o tilintar das moedas a caírem nas caixas das esmolas. O sossego pode ser sol de pouca dura. “Às vezes vêm como um bando de pássaros.” Turistas e jovens em botellón, “mais ao fim-de-semana”.
Se há centros de interpretação das três culturas – arábe, cristã e judia – que enformaram a cidade, andar na rua é uma boa forma de tropeçar com sinais destas – para além das óbvias e profusas igrejas porque sabemos que a história é a dos vencedores. Um empedrado vai revelar uma estrela de David ainda na área da judiaria e pouco para além desta, uma casa árabe transporta-nos para outras paragens.
É o projecto de uma vida, ou melhor de duas vidas: do fundador, José de la Torre, e do filho, Ángel de La Torre, que agora lhe segue as pisadas ao manter aberto ao público aquilo que o pai encontrou quando quis modernizar a casa de família. E o que encontrou foi uma casa árabe do século XII, com fundações romanas. A modernização passou a recuperação: 12 anos de trabalho, ao mesmo tempo que estudava a cultura e viajava muito. De cada viagem ia trazendo peças que agora são exibidas nesta Casa-Museu Yusuf Al Burch (o nome do fundador em árabe) que foi inaugurada há 40 anos na presença do embaixador iraquiano.
O filho é o anfitrião agora, por vezes o neto, abrindo as portas para uma casa árabe com os espaços bem definidos, desde a cozinha à sala de chá, passando pela sala de armas e a de dança (pelo meio um pátio, neste circuito circular), pelo harém, o quarto, a adega, uma cisterna e até um hammam. Não falta até o fantasma de uma mulher, diz-nos Pedro Fito Romero, 28 anos, com quem nos cruzamos, “uma moura de 40 anos, que já fez turistas fugirem espavoridos daqui”. Ángel encolhe os ombros, mas esse foi um dos motivos que trouxe Pedro ao museu, nesta sua terceira visita a Cáceres. A última vez foi há seis anos, conta, e recorda tudo muito igual.
Na verdade, atrevemo-nos a dizer que a estrutura de Cáceres se mantém igual desde o século XVI, ainda que os velhos palácios tenham tomado novas funções. Parece mas não. A Igreja de São Francisco Xavier e o colégio jesuíta adjacente (agora Escola Superior de Arte Dramática da Extremadura) são edifícios barrocos, do século XVIII, encravados bem no coração do casco viejo, e a praça a seus pés, San Jorge, é produto de um arranjo urbanístico do século XX, que abriu um plateau entre a Plaza de los Golfines e as praças de San Mateo e San Pablo, unidas pela íngreme Cuesta de la Compañia.