Fugas - Viagens

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Viagem através da memória por uma Suécia que já não existe

- As mulheres trabalhavam entre as cinco da manhã e as sete da tarde e somente desfrutavam de uma hora e meia de intervalo e de um único dia livre, o terceiro domingo de cada mês, enfatiza Els-Marie Ahlstrand, desligando-se por instantes do tricotado para me fitar nos olhos com aquele sorriso eternamente bondoso, enquanto Mia Terent, também conhecedora da história, assenta com a cabeça antes de lançar um olhar a um grupo de meninos e meninas que caminha na direcção da casa cuja fachada se limita a uma porta, ladeada por dois bancos de madeira, e a duas janelas, uma para cada divisão.

- As crianças, curiosas como são, revelam grande interesse em ver o interior das casas, as réplicas dos brinquedos dessa época e em ouvir as histórias de como se vivia nesse tempo. Mas os adultos também, observa Mia Terent.

O bairro urbano

A Statarlängan é apenas uma entre as mais de 150 construções que se erguem na colina de Skansen e outras há que justificam uma visita demorada, como a quinta de Älvros, um espaço composto por diferentes edificações típicas do Norte da Suécia no início do século XIX. Enquanto, lá fora, o sol faz um esforço para romper a cortina de nuvens, aparentemente sem sucesso, no interior da Älvros esquece-se o tempo presente e viaja-se até outro bem distante.

Sento-me, sereno, e escuto, aconchegado pelo calor do lume, o relato de como era a vida, quais os cuidados a ter com uma quinta nesses dias de antanho, como se tecia a lã, como se degustava o queijo seco, como se dormia meio sentado naquelas camas liliputianas e como se brincava com peças tão simples e ao mesmo tempo tão capazes de provocar no viandante um sentimento de nostalgia.

Ao meu lado, um menino olha sem pestanejar quando os brinquedos surgem no seu horizonte e, atento, ouve a história dessa época que ele ignorava e tanto o seduz.

Saio para a rua, erro sem pressas, agora sob uma chuva miudinha e persistente, pelos bairros urbanos de Skansen, uma amostra da Suécia desde o século XVII até meados do século XX.

O mapa que me deram à entrada do museu continua no meu bolso.

A maior parte das casas procede da zona Sul de Estocolmo, a cidade que, de quando em vez, vou perscrutando no sopé da colina, sem que dela cheguem mais do que murmúrios imperceptíveis. As moradias misturam-se, numa perfeita harmonia, com lojas de comércio, umas vendem especiarias, numa outra o vidro vai ganhando forma, logo chega o estrépito produzido pelos carpinteiros, mais adiante os meus passos vão ao encontro de uma gráfica, deparo-me com uma serralharia, finalmente, quando a chuva cai sobre Skansen com maior insistência, entro numa padaria. E por ali fico, uns bons minutos, à conversa com Stig Evertsson, a trabalhar como padeiro no museu há 16 anos.

- Gosto de conversar com os clientes, da natureza que me rodeia, da paz que se respira em Skansen. E porque aqui me sinto quentinho.

A chuva teima em não me abandonar mas não me impede de prosseguir, ouvindo os sons familiares dos meninos e meninas, quase todos loiros, com os seus corta-ventos que os protegem, de apreciar as suas correrias, a sua energia e a sua felicidade neste mundo mágico. Avisto um elegante jardim, um terraço sedutor, mais para diante, já fora dos limites do museu mas ainda na ilha de Djurgården, recortando-se contra o céu tingido de cobre, uma enorme torre, seres humanos como formigas sentados em cadeiras metálicas, gozando da panorâmica sobre Estocolmo, a 80 metros de altura, antes de descerem à terra em apenas seis segundos — é a Fritt Fall Tilt, um dos muitos entretenimentos (tem, entre outros, sete montanhas-russas) que atraem adolescentes ao Gröna Lund Tivoli, o mais antigo (inaugurado em finais do século XIX) parque de diversões do país. 

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