Fugas - Viagens

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Viagem através da memória por uma Suécia que já não existe

O dia não tardará a extinguir-se e os portões de Skansen a fecharem-se para os muitos turistas que ainda deambulam pelo museu. Sempre com o mapa no bolso, volto a passar pelo bairro urbano, depois atravesso um espaço com um palco e cadeiras órfãs de gente, o Sollidenscenen, uma área onde se concentram alguns restaurantes e palco de eventos culturais; para trás, estende-se a casa solarenga de Skogaholm e o seu jardim, um exemplo do estilo gustaviano e onde vivia uma família nobre. Destaca-se o edifício principal mas também as alas, onde se encontram a cozinha, os aposentos para hóspedes e a biblioteca, bem como uma horta típica da época, ainda hoje cultivada — Skansen não deixa de surpreender.

Passo por moinhos, por crianças que ainda brincam a esta hora, gozando os últimos momentos de um dia inesquecível, até que chego à igreja de Slegora, a mais popular de todas na Suécia para a celebração de casamentos. Construída em 1729 e trasladada para Skansen em 1916, a igreja é palco de inúmeras cerimónias — de baptizados a matrimónios — promovidas pelos habitantes da capital sueca, muitos deles indiferentes ao órgão original que, com as suas cores, transmite uma magnificência ímpar a este local de culto edificado em madeira, um dos mais emblemáticos num espaço que se estende ao longo de trezentos mil metros quadrados.

Sinto que estou no limiar da minha partida deste lugar onde trabalham duas centenas de pessoas a tempo inteiro, mais outras 400 durante os meses de Verão, mas também sinto que não me importaria de ficar por mais umas horas, até porque, olhando o mapa pela primeira vez, novo como uma folha não fustigada pelo vento, tenho dificuldade em perceber por onde andei ou não, o que visitei ou não. O funicular, com as suas tonalidades de um verde forte, leva-me no seu percurso descendente, correndo sob uma ponte de pedra onde duas mulheres sonhadoras se deixam enfeitiçar pelo quadro que se pinta do outro lado, da cidade de Estocolmo que me espera, no tempo tão distante de Skansen, da colina que, fiel à sua tradição, respeita um país que os anos foram moldando no caminho da modernidade, tão diferente da época em que homens e mulheres tinham de trabalhar para pouco ou nada receberem ao fim de um dia de labor intenso. Desse tempo, tão longínquo, nada mais existe a não ser uma memória através de uma viagem feita de memórias que se vão apagando. E, no entanto, Skansen perpetua-se, sem esconder nada, nem mesmo os dias difíceis de um povo hoje tão distante dessa realidade que reconhecem e da qual se envergonham, como uma mãe, num país como a Suécia, se envergonha da birra de um filho, não tanto por convicção mas mais por respeito pelas pessoas que a rodeiam. Apenas, talvez, por ser sueca.

Caminho na direcção do menino que recusa a mão da mãe e entrego-lhe o meu mapa, sem qualquer uso. Steven fita-me com os seus olhos azuis, esboça um sorriso que uma lágrima escorrendo pelo rosto torna ainda mais pueril, estende-me o mapa todo amarrotado que estivera na origem da sua birra e, logo depois, já de mão dada com a mãe, Rebecca, parte à descoberta de um mundo do qual irá guardar uma recordação, como Terese Jonsby, quando usava o seu vestido aos quadrados verdes e brancos. 

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