A agulha desce delicadamente, o momento tem qualquer coisa de nostálgico, ora fito o velhinho gira-discos ora a capa do LP e evoco o dia em que o adquiri, na Rua 31 de Janeiro, no Porto, a caminho de Miragaia, daquelas arcadas tão intimamente ligadas às memórias de Verão de uma adolescência inquieta.
Passed the pub that saps your body
And the church who’ll snatch your money
The Queen is dead, boys
And it’s so lonely on a limb
Quase 30 anos se passaram sobre o lançamento do polémico disco dos The Smiths (The Queen is Dead), Morrissey, o vocalista, ainda continua a produzir mas a banda há muito que conheceu o ocaso.
E a rainha completa 90 anos em Abril de 2016 e esta semana acaba de bater o recorde de longevidade de um monarca inglês no trono, superando a sua tataravó Vitória (63 anos e 217 dias).
Como uma adolescência eterna, a relação entre Morrissey, filho de emigrantes irlandeses católicos, e Sua Majestade sempre foi marcada pela turbulência. Em Maio de 2011, durante uma visita da rainha à Irlanda, Morrissey, em declarações à revista Hot Press, voltou a lançar um ataque feroz, comparando a sua forma de liderar aos ditadores Muammar Gaddafi e Hosni Mubarak. “A própria existência da rainha e da sua enorme família é completamente contra qualquer noção de democracia e de liberdade de discurso.”
Já este ano, Morrissey actuou em vários palcos, na Europa e nos Estados Unidos, tendo como pano de fundo uma fotografia (montagem) da rainha com os dedos do meio erguidos para o céu e lançou, também este ano, uma t’shirt em que surge nu ao lado de Isabel II, tapando-lhe a boca com a mão e com a legenda “quanto mais me ignoras, mais eu me aproximo”.
Volto a colocar, enquanto escrevo, a agulha no início da faixa.
We can go for a walk where it’s quiet and dry
And talk about precious things
Se é difícil reunir consenso em torno da rainha, o mesmo não se poderá dizer em relação ao percurso pedestre conhecido como Queen’s Walk, ao longo da margem sul do Tamisa, escutando o marulho das suas águas, os sons da cidade sempre desperta, descobrindo as verdadeiras jóias da coroa, o passado e o futuro de mãos dadas — o caminho da rainha é apreciado por londrinos e turistas e uma das melhores formas de conhecer a capital cosmopolita.
A manhã desponta com uma luz diáfana, tão pouco familiar para esta Londres sujeita a operações de cosmética desde que assegurou a organização dos Jogos Olímpicos, há três anos, coincidindo com o Jubileu de Diamante da rainha. A cidade não abdica da sua aura monumental e sabe como modernizar-se, reinventar-se, definindo uma nova linha de horizonte com a assinatura de alguns dos melhores arquitectos do mundo.
Contemplo a elegância dos arcos da ponte Lambeth, algumas embarcações sulcando o Tamisa, em número escasso se comparado com os tempos cada vez mais distantes, quando o rio era uma das vias navegáveis mais comerciais do mundo; e observo o formigueiro humano, para cá e para lá, apressado e sem tempo para lançar um olhar à volta ou à história da cidade, quase tão multicultural no final do século III, com os seus 30 mil habitantes de diferentes grupos étnicos, como nos dias de hoje. Afectada por pragas e por doenças, pelo grande incêndio de 1666, Londres sempre teve a capacidade para se erguer das cinzas e tornou-se, no início do século XVIII, a cidade mais populosa da Europa com 600 mil habitantes.