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Alcalá: a cidade dos dois mártires e dos três imortais

Na primeira metade do século XIX, quando já não abrigava a universidade, o edifício foi abandonando, mais tarde adquirido em leilão e pertença de três diferentes proprietários até cair nas mãos certas, em 1850, quando foi criada a Sociedad de Condueños, a quem devo, eu e tantos outros, o favor de poder contemplar a sua fachada agora que a manhã já vai a meio. Não fosse esta sociedade, preocupada em preservar o património artístico da cidade (e especialmente os monumentos ligados à antiga estrutura da universidade) e a esta hora, muito provavelmente, estariam os seus blocos de pedra num qualquer lugar dos Estados Unidos – conta-se que já haviam sido numerado para posterior carregamento.

Uma vez transposta a porta, surge, imponente, diante dos meus olhos, o Pátio de Santo Tomás de Villanueva (um dos mais notáveis alunos complutenses de uma lista que integra Francisco de Quevedo, Lope de Veja, Calderón de la Barca e António de Nebrija ). Atento nas palavras em latim:

En luteam olim celebra marmoream.

Outros farão em mármore o que eu fiz em barro. Esta frase foi proferida pelo Cardeal Cisneros em resposta a uma piada do rei Fernando, o Católico, sobre a pobreza de uma construção à qual o primeiro havia dedicado tantos esforços. A verdade é que, já no início do século XVII, o pátio de tijolo foi demolido e substituído por um outro, de três pisos, magnificente, um projecto encomendado a Juan Gómez de Mora (a quem Filipe III encarregou da finalização da Plaza Mayor de Madrid, entre outras obras) mas que acabaria por ser assinado e concluído, sem qualquer influência do primeiro, em 1671, por José Sopeña, um mestre-de-obras de uma pequena aldeia próxima Burgos.

O conjunto alberga ainda o Pátio dos Filósofos, a quem Francisco de Quevedo, escritor do Século de Ouro e um dos autores mais destacados da literatura espanhola, fez referência em El Buscón – bem como Mateo Alemán, em Guzmmán de Alfarache – e o Pátio Trilingue, assim denominado por ser o local onde se estudava latim, grego e hebraico. Bem próximo deste pátio fica situado o Paraninfo (ou Teatro Escolástico), hoje mundialmente famoso por ser palco da entrega anual do Prémio Cervantes (distingue a obra global de uma figura da literatura em língua castelhana e já teve entre os vencedores escritores como Juan Marsé, Jorge Luís Borges, Juan Carlos Onetti, Ernesto Sabato, Carlos Fuentes, Mario Vargas Llosa, Camilo José Cela, Guillermo Cabrera Infante e Álvaro Mutis, entre muitos outros), um evento organizado desde 1976 e ao qual costumam assistir os reis de Espanha – é entregue a 23 de Abril, comemorando a data da morte de Miguel de Cervantes, faz no próximo ano exactamente 400 anos

A data de nascimento do autor de O Engenhoso Fidalgo D. Quixote de la Mancha, cuja segunda parte foi publicada em 1615 – também 400 anos -, essa permanece incerta. Mas há quem defenda a tese de que terá nascido a 29 de Setembro de 1547 por ser prática comum, nessa época, dar o nome dos santos aos neófitos – o escritor foi baptizado uns dias depois, a 9 de Outubro.

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