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Alcalá: a cidade dos dois mártires e dos três imortais

Alcalá de Henares está tão próxima de Madrid e, ao mesmo tempo, parece tão distante - tão injustamente ignorada a cidade onde nasceu o homem que assina um dos maiores clássicos da literatura e a quem tem de se reconhecer o mérito, entre tantos outros, de ser um dos poucos a transportar da ficção para a vida o fidalgo e o seu fiel e gordo companheiro montado num burrinho.

- Agora digo-te, Sancho – disse D. Quixote -, que és um mentecapto, perdoa-me a franqueza, e basta.

A esta hora, quando me preparo para tomar um café, Alcalá de Henares semelha-se a um lugar que não é mais do que um ponto de partida – é Outono, na paragem de autocarros, na praça principal, com as suas árvores podadas, ramos como cotos, são muitos os que partem para a capital, para mais um dia de trabalho, longe da quietude que me espera ao longo do dia porque são muito menos os que deixam Madrid para se embrenharem numa urbe que a UNESCO reconheceu e integrou na sua lista a 2 de Dezembro de 1998 (todos os anos se celebra a data com um extenso programa de actividades e a entrega do Prémio Ciudad de Alcalá Patrimonio).

Alcalá de Henares é uma cidade-dormitório e eu tenho dificuldade em aceitar o estatuto – Alcalá de Henares é uma cidade para o viandante se manter desperto.

A luz torna-se mais límpida, os contornos da estátua de Miguel de Cervantes, mesmo no meio da praça rectangular homónima, mais definidos; regresso ao hotel para o pequeno-almoço – e não preciso de errar muito porque em Alcalá de Henares todos os caminhos se percorrem a pé e todos os caminhos percorrem capítulos de uma história que não é apenas da cidade mas também de Espanha – e universal -, como sentenciou um dia Sancho Pança: “Yo apostaré… que antes de mucho tiempo no ha de haber bodegón, venta ni mesón, o tienda de barbero, donde no ande pintada la historia de nuestras hazañas.”

E que façanhas.

O peso histórico da universidade

Ninguém parece compreender melhor Alcalá de Henares do que as cegonhas, elas sobem às alturas, aos pináculos e às copas das árvores e, com o seu porte altivo, plantam os olhares nas ruas desde os ninhos que vão construindo, miradouros privilegiados de uma cidade por onde vaguearam, num tempo ou noutro, referências da literatura espanhola, como Cid, quando lutava contra os muçulmanos.

Alcalá foi a primeira cidade do mundo planificada em torno de uma universidade. Mas desde 20 de Maio de 1293 que contava já com um Studium General frequentado – anos mais tarde, na segunda metade do século XIV - por, entre outros, Francisco Jiménez de Cisneros, mais conhecido como Cardeal Cisneros. A este homem, Gonzalo de nascimento (em 1484 descobre a sua vocação para o retiro e torna-se franciscano), se deve a fundação da Universidade Complutense, uma das instituições que mais influência teve na cultura espanhola – a actual, moderna e reconhecida na Europa e na América como modelo a imitar, acolhe hoje 27 mil alunos e mais de 2000 professores e investigadores distribuídos por diversos campus

A fachada do Colégio Mayor San Ildefonso (que esteve na origem da universidade e funciona como reitorado), decorada com tanta elegância e delicadeza, foi construída a partir de 1537 por Rodrigo Gil de Hontañón, arquitecto responsável pelas catedrais de Salamanca e de Segóvia, e concluída 16 anos mais tarde.

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