Fugas - Viagens

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Istambul: Terraços de vidro, barcos de chá

Vamos descer, como se isto fosse um escorrega profundo entre carrosséis carregados de lojas centenárias e modernas, à Nouvelle Vague e à Bollywood, tudo ao mesmo tempo. Vamos abastecer-nos de sumo de romã para aguentar a longitude. Vamos pagar caro por um baklava como se fosse o último açúcar dos deuses. Vamos voltar a tocar a água com os olhos e andar de ferry bebendo sumos de laranja, que a poluição desidrata e Orhan Pamuk há-de ensinar-nos que ali, no Bósforo, está a cura de todas as angústias desta Istambul melancólica e difícil. “Depois das primeiras noites de febre [o doutor Alber] prescreveu-nos, para a convalescença, a ida diária e obrigatória à beira do Bósforo, para que tomássemos ar o mais possível”, escreveu o Nobel da Literatura turco, Pamuk, em Istambul, Memórias de Uma Cidade (Editorial Presença, 2008), sobre as memórias de infância passadas numa Istambul decadente dos anos de 1960. Vamos então tomar ar. “O espírito e a força de Istambul provêm do Bósforo”, continua o escritor. Assim é. Mais um barco para brincar às viagens.

Mas a Istambul de Orhan Pamuk não é a mesma de hoje. Entre os edifícios históricos há hotéis com letreiros gigantes, construções a meio de qualquer coisa, zero de planeamento urbanístico. O Norte, o Oeste e o lado asiático parecem cidades distintas. Mas se quisermos ser apocalípticos a sério, ouçamos Yusuf: “As pessoas podem mudar muito rápido, mas as cidades não, sobretudo se falamos de uma das cidades mais antigas do mundo. Istambul vai destruir-se a si mesma, ao mudar tudo em relação às necessidades dos investidores.” Por todo o conjunto de deslumbrados com as oportunidades desta cidade de sonho, o futuro adivinha-se “distópico”. “Já é distópico”, acredita o citadino. E à volta de Istambul, o cenário replica-se. Estão a aparecer blocos de betão “em lugares onde antes se podia ver o pôr do sol sobre campos de milho”. Está tudo à crescer em volta, com centros comerciais, “casas mais chiques do que bolos de casamento” e, em Istambul, os prédios vazios, cada vez mais. 

Passeamos junto ao rio, subimos até ao aqueduto da cidade antiga pelo chão empedrado, em passagem crescente pelas lojas de sapatos de pele, de cerâmicas coloridas, de utensílios para fazer café turco (considerado Património da Humanidade pela UNESCO) e de chaleiras sobrepostas – as çaydanlik – à espera de dono. Em Sultanahmet, vai crescendo o número de câmaras fotográficas e de filas para ver o que sobrou dos impérios bizantino e otomano. Nada de selfie sticks, avisam os sinais, mas que os há, há. Vêm à procura dos melhores panos de fundo, como a Mesquita Azul, a Santa Sofia e a Süleymaniye, o fascinante Palácio Topkapi, os obeliscos, as madraças, os fontanários. Na Santa Sofia, os tons são de terra por fora, há jardins e bancos para quem quiser ficar a olhar, como quem se senta em frente a uma pintura. Os pés usam sapatos e os ombros e pernas podem entrar descobertos, que a mesquita (inicialmente catedral) foi transformada em museu nos anos de 1930, por ordem de Atatürk, o ainda adorado fundador da República da Turquia. Lá dentro, dezenas de candeeiros suspensos iluminam centenas de cabeças curiosas, as paredes são como pergaminhos em que a pele é pedra, e o chão de mármore é curvo, gasto em mais de 1500 anos. 

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