O Blies-Grenz-Weng, que nós iniciamos em Sitterswald, é um dos 60 trilhos de caminhadas que atravessam o Saarland, o estado federal mais pequeno da Alemanha, “todos perto uns dos outros”. E a sua extensão é quase anedótica quando comparada com os 410 quilómetros do trilho Saar-Hunsrück-Steig, que começa em Moselle e termina em Boppard (ou Trier), que vai dos 175 metros aos 816 metros de altitude e é considerado o melhor trilho alemão. Um trilho premium como este que percorremos hoje em algumas horas: longe de asfalto e de ruídos anti-natura, bem imerso na natureza, com boas panorâmicas e bem sinalizado (de forma a poder ser percorrido autonomamente sem necessidade de guias). Aqui temos tudo isso, dentro e rente à Reserva da Biosfera de Bliesgau, incluindo o rio que seguimos mais perto ou afastados das margens (por estes dias a começarem a inundar), perdemos de vista e voltamos a reencontrar, lagos, moinhos a ajudar a compor o cenário já por si idílico, e, esporadicamente, vistas panorâmicas para os Vosges, já em França.
Não é um traçado difícil, aquele que percorremos, lentamente, em caminhos largos, mas, sobretudo em carreiros que rasgam a floresta de forma quase imperceptível, com desvios imprevistos — enleados pelo cenário, é fácil distrairmo-nos seguindo o ritmo do arvoredo que nem sempre combina com os traçados que o homem lhe impôs. Mais fácil ainda é deixarmos passar a primeira obra que vemos de Raimundo Maria Herzog, que elegeu o Blies-Grenz-Weg como galeria de arte — Serpente (2012), chama-se, e é uma série de troncos alinhados, em curvas, numa plano inferior ao do nosso trilho (nota na referência à obra: “destruída várias vezes, reconstruída”). É fácil cair no lugar-comum de dizer que a galeria é a maior obra de arte, por isso perdoem-nos, porque o é, o que não significa que as peças artísticas não tornem mais especial a floresta — os materiais são naturais, ramos, troncos, pedras, e as obras integram-se naturalmente sem se diluírem no cenário. São objectos “belos, únicos e efémeros”, lê-se na descrição — como a própria floresta.
Criados também, ainda que com outras intenções, dois lagos abrem-se no arvoredo. Estão cheios de peixe e como sinal de proibido pescar — é propriedade privada, de um clube de pescadores, cuja sede é o único edifício com que nos deparamos; e como invejamos o enorme alpendre sobre o maior dos lagos, água de um verde baço que parece saído do pincel de um pintor, para melhor se harmonizar com as cores outonais em volta, revelando-se em arvoredo ecléctico, iluminadas pelo sol deste “Verão indiano” — e tendo o duplo espelhado na água. Quando os prados chegam, chega também a ponte para a francesa Blies-Guersviller: desta vez chegamos ao outro lado, mas o passeio é curto, nem para um café dá, porque não encontramos café. E com o nosso atalho, em caminhos entre cercas de campos, chegamos novamente ao asfalto — e o nosso circuito premium termina.
Renascimento barroco
Se por aqui andamos ao lado de França, na capital de Saarland, Saarbrücken, também não estamos distantes. Da Praça Ludwig, por exemplo, estamos a cinco minutos, diz o nosso guia. Não é por acaso que começamos por aqui a nossa visita, em passo apressado, por Saarbrücken — não há um minuto a perder e o tempo é escasso. Estamos no coração simbólico da cidade barroca, e uma das primeiras coisas que os viajantes vindos de Paris em direcção aos estados germânicos viam era a “visão mais importante”. E, então, temos a igreja de Ludwig no centro, de ambos os lados da praça palácios que são espelhos uns dos outros — um é a chancelaria de Saarland. E a cor clara, cinza e branca, dos edifícios apenas a contrastar com a pedra vermelha e amarela da igreja no centro, com um propósito divino, para brilhar com o sol como se de porcelana se tratasse, iluminando uma cidade que teve de renascer várias vezes das cinzas.