É uma história milenar, que começou com os celtas que lhe deixaram o nome — apesar de a primeira tentação ser associar a “pontes do Saar” (o rio), o nome foi dado quando ainda não havia sequer ponte, e, segundo teoria mais amplamente aceite, deriva das palavras celtas sara (água corrente) e briga, que o alemão antigo transformou em brocken, e significa rochedo — e a sua maior fortaleza que chegou até nós, “escondida” na floresta. Depois vieram os romanos, com o próprio Júlio César, a conquistar a província que seria Gália, e com a queda do império chegaram os francos. Durante a Idade Média, e até 1793, os condes, depois príncipes, de Nassau-Saarbrücken foram os governantes da cidade que atravessou dois períodos que quase a fizeram desaparecer do mapa: primeiro durante a Guerra dos 30 anos, que deixou a população reduzida a uns meros 80 habitantes em 1637 (de 4500 dez anos antes) e a histórias de canibalismo; poucas décadas depois, foi a vez da Guerra Franco-Holandesa deixar a cidade carbonizada, com apenas oito edifícios de pé (1677). Pouco mais de um século mais tarde, foi a vez do vendaval napoleónico passar pela cidade e pela região, saqueando o possível e queimando o que na altura era um dos maiores castelos do mundo, que esteve três dias a arder. Contudo, nesse século de “paz” aconteceu o milagre barroco que ainda hoje é o rosto icónico da cidade — apesar de muito ser resultado do afã reconstrutivo pós- II Guerra Mundial, quando 85% dos edifícios foram total ou parcialmente destruídos.
O responsável foi um arquitecto, Stengel, que em 20 anos, no século XVIII, mudou o rosto à cidade sob o alto patrocínio do príncipe de Nassau-Usingen, um amante da arquitectura que lhe deu praticamente carta branca para abrir praças, construir palácios, edifícios e conjuntos monumentais um pouco à imagem de Paris com os constrangimentos financeiros locais, claro. E é com esta bagagem histórica que nos embrenhamos em Saarbrücken, a cidade barroca “com poucos vestígios medievais”, com a primeira visita na própria igreja de Ludwig, que, juntamente com o castelo, é o símbolo da cidade — a tal ponto que já foi a face da moeda de euro em 2009 (cada estado federado tem o direito de escolher).
Calvinista pura, é no interior que tal melhor se revela. Quase imaculadamente branca sob uma estrutura semelhante ao Templo de Salomão, recriado em estilo barroco (protestante, o que significa frugalidade decorativa), está virada para Leste, para Jerusalém: como as missas eram muito cedo, o dia a nascer enchia tudo de luz (e de um misticismo muito simbólico), que entra por janelas altas, estreitas, que culminam em pequenas rosáceas. Se no exterior se vêem estátuas de figuras dos Velho e Novo Testamento, no interior impera o ascetismo protestante, sem ícones, ainda que a decoração inclua figuras femininas nos capitéis das colunas. O branco que também colore o órgão é apenas acompanhado de rosa nos estuques e de dourado nos “raios” que saem do “olho de Deus”, no tecto; o outro motivo colorido é o escudo da família reinante. Capaz de albergar 1200 pessoas, esta igreja, já no século XVIII, não fazia distinção entre ricos e pobres que aqui se acotovelavam.