Fugas - Viagens

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De Lorosae a Loromunu, Timor é um espanto

Aventura na selva

Como é que passámos das águas cálidas de Jaco para o meio de uma densa selva, até podia ser uma coisa difícil de explicar se não estivéssemos em Timor, mas em Timor é mesmo assim. Num momento estamos a beber um bom gin numa esplanada a ver o pôr do sol, a seguir já estamos a nadar com peixes, no meio dos corais, e depois vemo-nos a passar ribeiras a vau rodeados de caraus que nos olham como se fôssemos extraterrestres acabadinhos de aterrar neste planeta.

Nós próprios sentimo-nos um bocado estrangeiros neste planeta ao fazer o percurso Loré, Iliomar, em estradas muitas vezes sem saída e sem pontes, rodeados de vegetação exuberante, sem ver uma única alma ao longo de vários quilómetros, ao ponto de as poucas aldeias com que nos cruzamos parecerem irreais, como as miragens num deserto. O calor intenso, as casas típicas em cima de estacas com telhado de colmo e os habitantes deitados debaixo das casas ajudavam a criar a sensação de ilusão.

Depois, claro, há o momento em que temos de sair do carro para aliviar a bexiga, damos de caras com uma cobra amarela, demoramos a processar o facto de estarmos a 50 centímetros de uma cobra venenosa e fazemos as figuras mais tristes da nossa vida. Bom, talvez não as mais tristes, mas seguramente das que ficarão no top dez.

Não fazíamos a mínima ideia de como seria este “pequeno” trajecto de 33 quilómetros, até porque nos parece que muito pouca gente o utiliza. Um “tio” (forma respeitosa de tratar alguém mais velho) de Liquiçá, que estava a servir de motorista em Valu, confirmou-nos que era possível fazê-lo e quando chegámos a Loré a pequena povoação pareceu-nos tão pacífica, tão bem arrumada, que pensámos que dali para a frente seria só conduzir junto ao Taci mane (mar homem) da costa sul.

Não foi assim, portanto, mas pelo menos podemos dizer que estivemos dentro de uma floresta tropical a sério e que é bastante diferente daquela do Oceanário.

No coração da montanha

Instalados em Ossú, depois de nove horas metidos dentro de um carro (sim, porque em Timor as distâncias não se medem em quilómetros, mas em tempo) apetece-nos dormir, tomar banho e comer, tudo ao mesmo tempo, mas ficámos parados no meio do jardim do eco-resort a olhar em volta. A montanha parece que nos vai engolir a qualquer momento. A “mana” que vai cozinhar para nós quer saber o que queremos comer e nós queremos qualquer coisa, não interessa, a montanha parece que nos vai engolir.

Dali podemos ir para o Mundo Perdido, uma zona protegida de floresta tropical, ou mergulhar no belíssimo rio Loi Hunu, mas temos mesmo de ir ter com o comandante das Falentil, Tito da Costa Cristóvão (todos os quartos deste eco-resort têm nomes de antigos líderes da resistência). Também aqui adormecemos ao som dos tokés, mas estes não estavam nas árvores, estavam mesmo dentro de casa. São bonitos, são lagartos às bolinhas, mas bem que podiam viver lá fora, apesar de serem muito úteis a dar cabo dos mosquitos.

E amanhece. Mais uma manhã em Timor-Leste, uma manhã nas montanhas que acolheram os guerrilheiros que resistiram contra a ocupação indonésia. Atravessar o Matebien, que significa monte das almas, é como pisar solo sagrado, mais um. A igreja de Santa Teresinha do Menino Jesus, enorme e cor-de-rosa, rodeada de fiéis com as roupas de domingo, parece um elemento folclórico. Mas em Timor tanto se adora a Deus sobre todas as coisas, como a montanha sobre todos os deuses.

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