Fugas - Viagens

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    Díli Reuters/Beawiharta
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    Díli Reuters
  • Miguel Madeira
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De Lorosae a Loromunu, Timor é um espanto

Mas nós não vamos a atravessar a fronteira, seguimos para Balibó, uns 14 quilómetros mais à frente. De Balibó sabíamos apenas que o forte construído pelos portugueses, no século XVIII, estava transformado numa pousada com muito boas condições (depois de tantos quilómetros de estrada, num país com poucas infra-estruturas, a estadia passa a fazer parte dos pontos de interesse) e do massacre que ficou conhecido como “The Balibo Five”, por causa dos cinco jornalistas que foram assassinados pelos indonésios.  Há um pequeno museu dedicado a estes jornalistas, no centro da vila, que quisemos espreitar.

Parece-nos que eles teriam gostado de passear pela vila connosco, teriam gostado de ver as crianças timorenses a jogar xadrez, com regras inventadas por elas, de ver as nossas crianças a profanar uma árvore sagrada e até de entrar nas grutas connosco, apesar de, certamente, já as terem visto muitas vezes. Enfim, teriam gostado de ver que as pessoas têm uma vida normal. Uma vida difícil, muitas delas, mas sem terem que viver escondidas e com medo de serem as próximas vítimas.

Reina a calma, portanto, mas é quando anoitece que notamos o silêncio absoluto. Não é um silêncio igual aos outros silêncios, é muito mais silencioso. Parece que nem os bichos querem perturbar a paz. Em Ataúro, o silêncio parecia ser forçado pelo isolamento, mas aqui existe uma certa solenidade, como se montanha dissesse: silêncio, que se vai pôr o sol. E faz-se silêncio absoluto.

E essa solenidade vai-se impondo amiúde no resto da viagem pelas montanhas da cordilheira central, que inclui o Pico do Ramelau, o ponto mais alto de Timor-Leste, que é para os timorenses o “monte avô”, e que nós, infelizmente, não subimos.

Vai-se impondo quando saímos de Maliana até Bobonaro e temos de parar várias vezes para apreciar a inacreditável paisagem, e depois quando descemos até B’ee Manas (fonte de água de quente), em Marobo, e levamos com o monte Cailaco em cima.

É óbvio que para lá chegar tivemos de ultrapassar algumas dificuldades, mas parece-nos que esta coisa de se fazer de difícil é um dos encantos deste país. Sobretudo porque, à partida, haverá sempre alguém disposto a ajudar-nos, como as meninas que não nos compreendiam ou o catua (idoso), que seguia muito direito, impecavelmente vestido de camisa branca e um tai colorido à volta da cintura.

Enfim, conseguimos chegar à àgua sulfurosa (e, mesmo assim sagrada), mas não somos capazes de tomar banho. Além de ser demasiado quente, o cheiro a enxofre é muito intenso — nada que incomode os timorenses que lá estão a banhar-se, ou a lavar a roupa.

Um pouco mais acima somos impelidos a parar para explorar as ruínas do que noutros tempos parece ter sido um hotel, e que naquele enquadramento se assemelha um castelo dos contos de fadas. Talvez a Bela Adormecida seja daqui. Talvez alguém possa acordá-la para fazer alguma coisa por este reino — e pelas meninas que nos tentaram ajudar há uma hora e meia e que continuam a caminhar quando nos voltámos a cruzar com elas. 

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