Seguimos em visita guiada, mas há quem parta sozinho pelos trilhos dos 20 hectares que constituem a parte turística de um projecto mais vasto. Na verdade, os primeiros bisontes aqui reintroduzidos, oito, ficaram em liberdade total num território de 10 mil hectares. Um regresso à vida selvagem na Europa Central que não foi bem acolhido pela população local: os agricultores temiam ataques ao gado, doenças, cruzamentos indesejáveis, hotéis e restaurantes temeram pelos turistas. Houve resistências, mas predominou a vontade do mentor do projecto e proprietário dos terrenos, o príncipe Richard de Sayn-Wittgenstein-Berleburg, licenciado em Estudos Florestais, e acabou por ter apoio financeiro do governo estatal e federal. Esses oito pioneiros na vida selvagem (que vieram de diferentes zoos para garantir a mistura de espécies) passaram, entretanto, aos actuais 17, mas as hipóteses de os ver são escassas, uma vez que são muito esquivos (três têm sistema de geolocalização, parte de investigações universitárias: esses, sim, têm a sua vida escrutinada). Por isso, os que vemos são de outro grupo, de sete, que vivem em 20 hectares cercados. São bisontes para turistas ver, é certo, mas em espaço suficientemente grande para que estejam no seu habitat natural.
Fazemos o trilho principal com alguns desvios e paragens frequentes quando algum exemplar é observado e cruzamo-nos com grupos pequenos e viajantes solitários, cruzamo-nos até com um homem de andarilho de rodas, o que dá ideia da acessibilidade desta parte da reserva. Estamos entre carvalhos, nogueiras, áceres, freixos, faias, plátanos, a humidade faz crescer várias espécies de cogumelos entre eles — e passamos área devastada por uma tempestade em 2007, um cemitério de árvores. Subimos e descemos caminhos de terra batida, no maior silêncio possível para não perturbar os bisontes (não vêm bem, mas o olfacto e a audição são excelente) — há mesmo uma tabuleta a pedir para não fazer ruído e caminhar como os índios, o que se torna irónico quando ouvimos tiros a rasgar o ar: é época de caça e aqui tudo o que mexe não está a salvo, de veados a coelhos, passando por javalis, por exemplo —, trepamos rochas se necessário para avistar algum dos sete habitantes, um macho, três fêmeas e três crias (ele é o líder, mas são elas que mandam). Não os vemos todos, embora vivam em grupo, mas há três que teimam em deixar-se avistar junto a um dos abrigos de madeira. “Movem-se muito devagar”, explica o guia, “para poupar energia, porque precisam de comer muito para repô-la” – a saber: 50 quilos de comida por dia, para manter um porte que vai dos 800 aos mil quilos nos machos, metade nas fêmeas, que lhes garante o estatuto de maior mamífero europeu. Durante o Inverno, recebem ração extra, porque a natureza não lhes fornece alimentação suficiente — e ver as suas longas línguas a lamber o chão é uma visão comum: é espalhado sal para eles terem acesso aos minerais de que necessitam.
Atravessamos um ribeiro saltitante, passamos um prado e estamos numa “escola” (uma pequena cabana de madeira com mesas e bancos corridos fora) onde se recebem os grupos de crianças para “aprender natureza”: não só sobre os bisontes e seu habitat como, por exemplo, sobre a água que corre aqui tão perto. Não passaram duas horas quando voltamos ao ponto de partida, desta feita com direito a almoço típico — e nesta zona típico inclui sempre algo de, com, batata (as convulsões do século XIX transformaram esta região num melting pot e é difícil definir um prato típico) — no restaurante na recepção do parque. Rústico como o que nos rodeia, com esplanada de mesas e bancos corridos de madeira e vista para a floresta, a brilhar agora sob o sol que teimou em brincar às escondidas toda a manhã. Bom cenário para desfrutar o primeiro vinho quente da temporada. Há nova caminhada, à tarde.