Podíamos estar em 1933, quando pelas ruelas e vielas da cidade o fatalista e erudito inspector Eberhard Mock circulava por entre espiões, agentes da Gestapo e judeus em fuga para resolver mistérios e assassínios. O escritor polaco Marek Krajewski criou Mock e fez dele protagonista de dez livros, todos de época, todos passados em Breslau; Death in Breslau, de 1999, é o primeiro. Ao lê-lo, ao caminharmos pela rua, ao bebermos um copo num bar — é preciso falar noutro, o Przedwojenna (também perto do Rynek, velha taberna que está igual ao que era na era comunista) — viaja-se no tempo para muitos mundos perdidos.
Agora, Wroclaw quer a ser uma cidade sem tabus, que aos poucos recupera o passado e começa a assumir as suas vergonhas e medos. E quer ser tolerante. Conseguirá, nesta Polónia que volta a fechar-se a uma certa ideia de Europa?
Na gala de inauguração da Capital — um concerto de homenagem ao grego Iánnis Xenákis, porque foi uma ministra grega, Melina Mercouri, que fez nascer as capitais europeias de cultura —, o público vaiou o ministro da Cultura do Governo do Partido Lei e Justiça, Piotr Glinski, que se pôs a dizer que “o sistema de valores cristãos da Europa” está em perigo e que a democracia corre riscos no seu país. Em Novembro do ano passado, o ministro tentou proibir que em Wroclaw se representasse A Morte da Donzela, do dramaturgo e Nobel da Literatura Elfriede Jelinek — disse que era uma peça “pornográfica”.
Na sala de concertos, chocaram duas Polónias, perante o silêncio do comissário europeu de Cultura, Tibor Navracsics, que é da Hungria, outro país em deriva populista e ultranacionalista na União Europeia.
“O tempo dos nacionalismos já passou”, respondeu o presidente da câmara de Wroclaw, que já tinha dito à Fugas: “A Polónia é um país europeu, muito europeu, e é essa a mensagem que a cidade quer passar à liderança europeia — o nosso lugar é aqui”. Na cidade, e em toda a Baixa Silésia, o nacionalismo do Lei e Justiça foi rejeitado nas urnas e o presidente da câmara, antigo membro do Solidariedade, é um independente apoiado pelos liberais.
Wroclaw começa o seu ano de Capital Europeia de Cultura com um braço-de-ferro com Varsóvia. Mais uma vez, corre riscos por querer ser uma cidade modelo — multicultural, tolerante, ocidental. “Esta Capital Europeia não significa nada para o actual Governo, que tem os ouvidos tapados. Mas vai dizer alguma coisa à Europa sobre o que realmente querem os polacos, sobre o que realmente os polacos são: europeus. Se tivermos que nos bater por isso, já estamos habituados”, diz Agnuska, que tem 26 anos, trabalha num banco e também batia os pés de frio à espera de ver o Despertares.
É verdade, Wroclaw também tem um passado de resistência, e também há muitos vestígios dele nas ruas da cidade. É preciso ir de cabeça baixa, de olhar no chão, para os ver — os pequeninos krasnale (duendes) de bronze estão semeados por todo o lado, assinalando lugares históricos e velhas profissões.
Mas o primeiro de todos, grande e gordo, “plantado” em 2005, não tinha essa função. Apareceu no lugar onde nasceu a Alternativa Laranja, o movimento de oposição lançado pelo artista plástico Waldemar “Major” Fydrych e que se espalhou por toda a Polónia. Nos anos de 1980, Fydrych realizou sessões de debate e pequenas manifestações no centro de Wroclaw; na cabeça, usava sempre um barrete de krasnale. Laranja, por oposição ao vermelho, do comunismo.