Fugas - Viagens

  • Uma viagem pelo lago Tonlé Sap
    Uma viagem pelo lago Tonlé Sap
  • Consoante a época do ano, o cenário em volta do Tonlé Sap varia de forma significativa
    Consoante a época do ano, o cenário em volta do Tonlé Sap varia de forma significativa
  • Lago Tonlé Sap
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  • Siem Reap
    Siem Reap
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  • Battambang
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  • Templo de Bana - Battambang
    Templo de Bana - Battambang
  • Battambang, o mercado
    Battambang, o mercado
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    Battambang, o mercado
  • Battambang
    Battambang

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Camboja: A voar por cima das águas

Sorri com o olhar um sorriso reservado, quase invisível, mas desses que nos ficam na memória até ao último dia de vida, e suspira em voz baixa: "Au revoir mes amis, bonne journée". Muito pouca gente fala francês na Indochina, do antigo colonizador sobraram sobretudo a arquitectura e os croissants. Um exagero? Apenas um nada de quase nada – às vezes o estilo obriga a um inócuo il faut dire n’importe quoi. Afinal, dos mais ou menos inimigos que bombardearam com prodigalidade os vizinhos da região – os Laos e os Vietnames – ficaram também a língua de Shakespeare, a desbaratar a de Hugo, os refrigerantes apátridas, os bares com nomes como Apocalipse Now. E Sodomas neo-capitalistas ilustradas com bandeiras vermelhas guarnecidas com uma foice e um martelo: Sanae tinha chegado uma semana antes de Saigão (Saigon, ainda, para muitos vietnamitas) e contara-me o que mais a tinha impressionado na agora estância de férias de veteranos de guerra norte-americanos e outros turistas nostálgicos de novidades aventurosas, orientais, exóticas.

O barco vai de saída

No cais da aldeia de Cheong Khneas, a uma dúzia de quilómetros de Siem Reap, há muitos barcos – de passageiros ou simples canoas de pescadores – ancorados. Os viajantes são encaminhados aleatoriamente para os três que estão prestes a navegar para Battambang. Perco-me de Sanae, que avisto depois sentada sobre a cobertura de uma barcaça de madeira, numa vaga posição de ioga e encostada à mochila com o seu eterno sorriso de Buda indiferente ao mundo. Sento-me também sobre o tejadilho de um batel altamente suspeito quanto a questões de segurança: esguio, madeira colorida de fresco a cobrir as cicatrizes  de muitas monções debaixo de chuva. O tejadilho do Chann Na enche-se até já não haver espaço para esticar as pernas, as mochilas dos backpackers ajeitadas para fazerem de almofadas durante as dez horas de viagem ao sol até Battambang, capital de uma das províncias mais ocidentais do Camboja, confinante já com o Golfo da Tailândia.

Largamos numa algazarra de cordas a voar e gritaria, e durante a primeira meia hora o Chann Na parece uma jangada arrastada por um fluxo de águas barrentas desde o canal de Cheong Khneas. Atravessamos depois, ao longo de mais de uma hora, uns corredores estreitos entre vegetação flutuante ou enraizada entre fugazes pedaços de terra aqui e ali visitados por canoas de gente à pesca. Passamos devagarinho por estes canais e assusta-se a passarada, um ou outro peixe salta desafiante, há dois, talvez três, passageiros que arriscam o desequilíbrio numa fotografia atrevida. O alvoroço tem fundamento neste mundo inscrito parcialmente na lista da Convenção de Ramsar e depositário de uma muito citada biodiversidade.

Mais adiante, à saída de um canal sitiado por vegetação arbustiva mais densa, o horizonte amplia-se de rompante e o vasto espelho azulíssimo do lago Tonlé Sap, um céu debaixo de outro céu, faz a sua aparição num além ainda um pouco distante. É para lá que se aguça a proa do barco, que se apressa agora mais ligeiro, como se a voar por cima das águas, como diria Fernão Mendes Pinto, que por bandas próximas daqui andou também velejando, há uns quatro séculos, no seu caminho de Patane a Ayutthaya, a então capital do reino do Sião.

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