Fugas - Viagens

Eslováquia: a dama branca num tabuleiro de tantas cores

Por Sousa Ribeiro (texto e fotos)

Património Mundial da UNESCO desde 2009, Levoca é um dos segredos mais bem guardados do país, com as suas casas de múltiplas tonalidades, as suas igrejas, a sua quietude e uma história que nos remete para um passado glorioso.

Uma chuva miudinha, tombando de um céu cinzento, recebe-me quando transponho, às primeiras horas da tarde, a monumental porta Košice, como uma visão fantasmagórica que se exacerba perante o silêncio que envolve a cidade muralhada.

Espero, a todo o momento, face à ausência de sons familiares,  cruzar-me com a Biela Pani, a Dama Branca, com a sua beleza triste errando pelas ruas de cores alegres de Levoca.

Ainda é cedo, Biela Pani apenas ensombra as artérias quando a noite cai, tacteando as paredes que testemunham um passado glorioso.

Até lá, até o dia se extinguir, há muito para ver: à minha esquerda, logo depois da porta Košice, uma igreja, em tons de pastel e estilo barroco, marca o início de uma rua orlada de árvores e de casas pintadas de todas as cores do mundo, como que recordando ao turista que, durante a Idade Média, Levoca viveu o seu tempo de esplendor, pouco ou nada tendo mudado ao longo dos séculos.

A porta de madeira da igreja do Espírito Santo, vizinha do novo mosteiro, construído em 1750, é aberta por uma idosa (a maior parte da população professa a religião católica) e eu aproveito para admirar o interior, ricamente decorado, antes de estender os olhos ao longo da rua despida de gente, como se, por qualquer motivo, os residentes acabassem de acatar uma ordem de evacuação.

- Não é a época alta. Se voltares, um dia, no Verão, vais ver muita gente; por vezes, dependendo da data, mas mais no início de Julho, com tamanha afluência que, de repente, sentirás falta deste silêncio, enfatiza Dávid Bor, um jovem estudante que viveu toda a sua infância e adolescência em Levoca e só não nasceu na cidade por uma única razão:

- Não existia maternidade. Mas a minha mãe sempre viveu em  Levoca e não é fácil convencê-la a visitar outros locais. É nesse ambiente sereno que se sente bem.

Dávid Bor (e a mãe) tem razão, a atmosfera reveste-se de quietude e, de acordo com os números orgulhosamente divulgados, no início do mês de Julho, a população local, que não excede os 15 mil habitantes, sente-se confusa perante a presença de 300 mil peregrinos.  Uma rua perfila-se à minha direita, eu ergo os olhos mais para lá, primeiro até aos campos lavrados, depois, trepando a colina, até um prado de um verde viçoso e, finalmente, até uma igreja Neogótica cuja agulha do campanário ameaça furar os céus, parcialmente dissimulada por entre a neblina que faz das montanhas um berço.  É a Marianska Hora, um dos mais antigos e famosos locais de peregrinação e onde, a 3 de Julho de 1995, o  Papa João Paulo II rezou uma missa perante 650 mil fiéis que se acotovelavam em 21 hectares de terrenos agrícolas.

Admite-se, embora sem evidências documentais, que já em tempos de antanho existia uma pequena capela no dorso da colina, mandada construir pelos habitantes da região de Spiš (à qual pertence Levoca) como sinal de gratidão por terem sobrevivido aos raides tártaros entre 1241 e 1242. Desde então, tanto os residentes da cidade que é Património Mundial da UNESCO desde 2009, como todos os outros que vivem nas aldeias vizinhas, comemoram a data com uma procissão que atrai não apenas eslovacos mas muitas outras nacionalidades.

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