Mais consistente parece ser a hipótese de um “parque temático sazonal” à imagem de Puy du Fou, em França, que visitou há alguns anos e que foi uma espécie de revelação: daí imaginou os espectáculos de grande formato e daí sonha uma réplica à escala nacional (necessariamente “reduzida”) – é a “Viagem desejada”, como escreveu no livro em que faz a revisitação de todas as edições da Viagem Medieval em Terra de Santa Maria (a que queria fazer e a que quer que a Viagem Medieval faça).
Joaquim Tavares tem outra perspectiva. “Qualificar, qualificar, qualificar”, repete. Acredita que o caminho é olhar para cada sector da viagem, quer do ponto de vista da estrutura quer do conteúdo, e “atingir a excelência”.
Já estiveram mais longe. Quando se começou a apostar na criação de espectáculos de grande formato próprios na Viagem Medieval, Paulo Sérgio Pais, que até escreveu o primeiro numa folha de Excel, conta, lembra-se de andar de megafone na mão a coordenar ensaios: “Isto é a sério ou a brincar?”, gritava. Actualmente, todos sabem que é a sério. “Há uma grande consciência na maioria das associações de que a Viagem é um palco tremendo, cheio de oportunidades”, sublinha Joaquim Tavares. As acções de formação (dança, teatro, esgrima...) começam várias semanas antes da abertura. E, entretanto, foram surgindo novas associações e grupos dentro da própria viagem – “funcionou como uma espécie de incubadora” –, que se profissionalizaram e vendem o seu produto, “até para fora”. “O que se faz em Santa Maria da Feira já é uma referência em termos de qualidade de performance”, afirmam os responsáveis. Pode até falar-se da existência de uma indústria cultural de recriação histórica, que vai desde os espectáculos de grande formato a performances de rua, e é uma das portas abertas para a internacionalização, “levando sempre o nome da Viagem”, explica Joaquim Tavares e ligando esse “fazer bem” ao tecido económico do concelho. Nesta grande aventura colectiva, não ficam de fora nem as escolas com envolvimento dos alunos – os do 1º ciclo fazem o espectáculo “Pequenos Guerreiros” – e até das associações de pais.
Um estudo do IPAM calcula que o impacto económico da Viagem Medieval no território é superior a 10 milhões de euros. “Mais significativo”, contudo, realça Paulo Sérgio Pais, “é o reinvestimento permanente”. “É fascinante: permite um upgrade no movimento associativo e cria um ciclo virtuoso.” Joaquim Tavares confirma: “Uma das grandes virtudes é que os benefícios financeiros são devolvidos à população ao longo do ano, seja com música, teatro...”. E já que falamos em finanças, o orçamento da Viagem, um milhão de euros nos últimos anos, é integralmente gerado por receitas próprias (bilheteira, merchandising, patrocínios). “É um case study”, defendem os responsáveis.
A história espectacular
Por estes dias, o palco – e, lembramos, são 33 hectares – já está quase terminado; os ensaios já se realizam in situ, os pendões já estarão a adornar muitas das fachadas da cidade (esta foi mais uma iniciativa de aproximação à população) e os pórticos já estarão montados. Começaram a ser colocados antes mesmo do início da cobrança de entradas (medida “muito polémica”, recorda Paulo Sérgio Pais, que este ano tem alterações numa tentativa de contornar a concentração de visitantes à sexta-feira e sábado) para assinalar a fronteira entre a cidade a moderna e a medieval. O regresso ao passado tem o rigor científico e o aspecto lúdico em equilíbrio pensado. “Como a viagem tem muitas áreas temáticas, é possível termos umas de rigor puro, como o povoado, e outras de recriação mais lúdica, com jogos para miúdos, por exemplo”, explica Paulo Sérgio Pais. Reconhece, contudo, que “é preciso, de certa forma, dar espectacularidade à história”. Recorda a introdução de bandas sonoras, “gradual, porque os mais puristas não queriam”. “Mas se podíamos exponenciar as experiências, as emoções...” O conceito é cinematográfico, assume, com referências como Braveheart.