Sim, recordo-me.
Claro que ele estava a mentir. Em tantos anos, face à abertura do país, milhares de viandantes se passearam por aquelas águas.
Mas ele ficou feliz, olhava de quando em vez as fotografias, sem ignorar os remos para me levar até à outra margem.
U Bein, Birmânia.
O nome soa exótico, o lugar permanece na memória durante anos e anos, não se apaga, pelo contrário, provoca um sentimento de nostalgia quando evocado à distância.
U Bein.
O vestígio mais famoso da antiga cidade de Amarapura, de onde foram transferidos 150 mil habitantes quando Mandalay conquistou o estatuto de capital, anima-se ao final da tarde, o sol estilhanço as águas do lago Taungthaman, os mais de 900 pilares em teca maciça formando desenhos, como serpentes, os monges e os trabalhadores cruzando a ponte que desafia o tempo desde meados do século XIX, alguns com bicicletas, de regresso às suas aldeias ou aos seus mosteiros, a vida feita de milhares de silhuetas ao longo de mais de um quilómetro, os guardadores de patos passando sob as suas estacas e o sol a pôr-se, um cenário poético, harmonioso.
U Bein.
Não há muito mais a dizer. Aqui impõe-se o silêncio. E algumas fotografias. Para mais tarde devolver.
Kintai
Iwakuni, Japão
Naquele dia, não cheguei propriamente a desfrutar da sua beleza. Talvez porque buscava silêncio. Era o final de Abril, dia de festival, de celebrar o nascimento do Imperador Showa, Hirohito, com uma parada samurai ao longo da ponte, cheia de cor, de trajes típicos, onde se colocavam todos os olhares de muitos japoneses e de alguns ocidentais. Regressei, dois anos mais tarde, mas uma semana antes. A ponte Kintai, aos pés do castelo de Iwakuni, revelava-se agora em toda a sua delicadeza, convidando a cruzá-la, para trás e para a frente, ou a admirá-la desde o rio Nishiki, com os seus bonitos cinco arcos em madeira, ou somente a pensar na sua história que remonta a 1673, apenas interrompida ao fim de 276 anos, quando não resistiu ao tufão Kijia, em 1950. Votada ao abandono, com o país ainda a viver a ressaca da II Guerra Mundial, foi restaurada três anos mais tarde e é, vigiada pelo monte Yokoyama, um dos destinos mais populares do Japão.
Volto a cruzá-la e chega-me, agora mais intenso, um aroma familiar. A flor de cerejeira. O odor penetra as narinas, enche o ar, magnetiza mas, ao mesmo tempo, devolve-me a outro tempo, a uma primeira infância, também entre as cerejeiras. Da janela contava os carros que passavam, via o comboio apressado, intrigava-me como a minha avó havia passado o rio a pé.
Ali não tinha uma ponte à mão. Mas era ali que me apetecia ter escrito esta história de pontes.