Já podemos ter ido ao Brasil, Cabo Verde e São Tomé; ao Peru, à Polónia e ao Paraguai, até mesmo à Tailândia, há quatro anos. Só que nunca (ou muito raramente, é melhor assim) conseguimos viver os lugares, senti-los como se impõe, comer o que comem (e onde comem) os que lá vivem, deambular sem regras nem pressões do relógio. Quem faz este tipo de viagens sabe que o problema é sempre o mesmo: tempo. Ou falta dele.
Desta vez, porém, a proposta era diferente: Banguecoque ia saber-nos a pouco, dois dias mal contados não chegam para nada numa megametrópole de 12 milhões de habitantes; Koh Samed, a ilha-recreio da capital tailandesa, seria uma experiência de transição, a preparar-nos para desligarmos a ficha; e em Koh Kood, finalmente, seríamos donos do nosso tempo.
“Esta é uma viagem de experiências, de sentimentos. Primeiro vamos à confusão de Banguecoque e quando chegarmos a Koh Kood queremos que sintam o que é não ter mais nada para fazer senão relaxar”, explicara Rosário Louro, representante da Autoridade de Turismo da Tailândia em Portugal. Primeiro estranhámos, depois entranhámos. Porque não? Fomos em busca de tempo.
Se em Banguecoque sentimos que de facto o dia precisava do dobro das horas, em Koh Samed já demos por nós com dilemas deste género: mergulhamos na praia ou na piscina da nossa villa? Vamos ver o pôr do sol ou fazer uma massagem? Em Koh Kood: fazemos meditação ou comemos gelados artesanais? Ioga pela manhã ou corremos já para o mar? Pequeno-almoço na copa das árvores ou um passeio pela ilha?
É fácil apanhar o jeito para fazer estas escolhas. Não somos os donos disto tudo, mas somos (mais ou menos) donos do nosso tempo. E foi assim que, durante seis dias, tivemos tempo para estar na praia com gente e sem gente; para ficarmos a boiar e a olhar para as nuvens; para decidirmos sair do mar porque a pele já estava engelhada e desistirmos no último segundo, quando já só tínhamos água pelos tornozelos e quisemos mergulhar mais, boiar mais, nadar mais.
Tivemos tempo para contar as almas que estavam na praia às 17h — e éramos só quatro, mais os empregados do hotel que varriam (ajeitavam é mais o termo) a areia; para sairmos do mar e nos enrolarmos numa toalha azul, subir ao quarto, meter a chave na fechadura, deixá-la ficar assim, pendurada na porta, e dar só mais um mergulho, só mais um, na piscina praticamente privada que temos à disposição. Também tivemos tempo para ler na varanda e na praia a adivinhar o pôr do sol; para ir ao spa fazer uma massagem, beber um chá antes e outro depois. E o tempo ainda chegou para voltarmos ao quarto, tomar um duche sem pressas e jantar na praia a olhar as estrelas.
É tudo uma questão de tempo, realmente. (E dinheiro, claro.) Agora sobra-nos tempo para contar como foi.
Koh Samed, tempo
Tinham-nos dito, lembram-se?, que esta era uma “viagem de sentimentos”. E o medo é um sentimento, logo estamos a cumprir o programa.
Acordamos às 4h50 com um dilúvio. E, pouco depois, os trovões começam a estourar sem dó nem piedade. Debaixo da rede mosquiteira que protege a nossa cama, ainda resistimos alguns minutos a ir ver o espectáculo, mas o som acaba por tornar-se magnético. Corremos as cortinas e pensamos que toda a água do mundo deve estar a cair aqui, uma senhora tempestade. No céu riscam-se relâmpagos atrás de relâmpagos. E sempre aquele “cabruuuum” que até faz estremecer a nossa villa. Se calhar não é medo, é respeito, voltamos para os lençóis mas damos voltas e voltas até pegarmos no sono de novo. “Cabruuuuum”.