Mas a grande festa era — e esta é uma tradição que ainda se mantém nas aldeias — o madeiro. Os homens mais jovens da terra iam, uns dias antes, à procura de uma árvore grande para queimar em frente à igreja. “Era feito com grande sacrifício mas muita força de vontade”, diz Aníbal. Levavam o carro dos bois e traziam a árvore até à aldeia. “Um dia, contava-se, um dos bois escorregou e partiu uma perna e um dos homens, que ainda era meu tio, pôs-se ao lado do outro boi e puxou a carroça às costas até aqui.”
A árvore era tão grande que — e isso era ponto de honra — ficava a arder até ao Dia de Reis. E todas as noites os habitantes de Janeiro de Cima reuniam-se ali, à volta do fogo, a conversar e a cantar noite dentro.
Uma couvada no Fajão
No Fajão, outra das Aldeias do Xisto, um pouco mais a norte de Janeiro de Cima, o espaço em frente da igreja já está preparado para receber o madeiro, que é aceso na noite de 24 e que, se esmorecer, é reanimado para o fim do ano. Agora já não é preciso os homens carregarem árvores às costas, a Junta de Freguesia trata de tudo.
E é precisamente o presidente da Junta, Carlos Simões, que nos recebe no seu restaurante, O Pascoal, para nos mostrar o que é uma verdadeira couvada de bacalhau, como muitos comem aqui na noite da Consoada. Como estamos no final da apanha da azeitona, este é o bacalhau à lagareiro, o que se cozinhava no lagar, com muito azeite quente, uma boa posta, batatas e, sobretudo, umas magníficas couves apanhadas ainda há pouco na horta ali ao lado.
Também Carlos Simões, hoje com 49 anos, tem entre as suas melhores recordações de Natal as noites à volta do madeiro. “Nós, os rapazes, fazíamos uma cabana com giestas e ficávamos ali a dormir e a comer chouriço assado.” Era a compensação pelo trabalho que tinham tido. “Dois meses antes já uma dúzia ou duas de rapaziada andava à procura de madeira.”
Depois “toda a gente matava um porco, faziam-se as chouriças” e “durante 15 dias havia sempre comida” à volta do madeiro. Se, por acaso, os rapazes apanhavam uma raposa, iam bater à porta de quem tinha galinheiros pedindo-lhes dinheiro pelo feito, porque, graças a eles, as galinhas iam ficar mais seguras.
Ainda antes de nos sentarmos à mesa para a couvada vamos ao bar do outro lado da rua, o Juiz de Fajão. Era aí, anteriormente, o restaurante de Carlos Simão, mas agora mudou-se para um espaço maior e o anterior passou a ser bar, ponto de encontro e loja de artesanato. Com o museu do padre Nunes Pereira fechado à noite, é aqui o melhor sítio para descobrir os Contos de Fajão, o conjunto de histórias cómicas que são, ao mesmo tempo, ensinamentos de vida, reunidos pelo padre Augusto Nunes Pereira, a figura mais querida de Fajão, que morreu em 2002.
D. Fátima, a mãe de Carlos Simão, orgulha-se das placas de xisto gravadas ainda pelo padre e que decoram as paredes do bar e recorda como ele se sentava numa das mesas a desenhar. Conta que está a ler um livro sobre a vida dele e lança-se, entusiasmada, a repetir alguns dos Contos de Fajão, histórias que falam dos almocreves que por aqui passavam quando a aldeia ficava no caminho das rotas de comércio, sobretudo de sal.