Os contos têm como personagens principais o Pascoal, que dá nome ao restaurante, e o juiz de Fajão, com um sentido muito apurado de justiça — veja-se, por exemplo o dia em que três homens discutiam quem tinha feito o melhor verso sobre um lobo morto, tendo acordado que quem tivesse o pior pagaria o almoço; incapazes de decidir, pediram ajuda ao juiz, que achou os três versos igualmente bons e deu a sua sentença: “Isto está tudo muito exacto, mas pagais o almoço todos três e comemo-lo todos quatro.”
A gastronomia serrana
Se n’O Pascoal comemos a mais tradicional ceia de Natal da região, no dia seguinte almoçamos no Buke, no Villa Pampilhosa Hotel, na Pampilhosa da Serra, inaugurado em 2012 e que, tendo partido da iniciativa privada, é já resultado da dinâmica criada pelo projecto das Aldeias do Xisto. É aí que o chef Flávio Silva, 30 anos, está a criar pratos de autor a partir dos produtos e tradições serranas.
Nem sempre é fácil, confessa Flávio Silva, convencer as pessoas do interior a preferir os pratos de autor às receitas tradicionais e à ideia de “prato cheio”. Mas tem vindo a fazer esse caminho com calma e no seu restaurante é possível escolher uma versão tradicional de cabrito assado no forno ou, em alternativa, este hambúrguer de cabrito com puré de verduras que agora nos chega à mesa.
Sente que com o seu trabalho as coisas já começam a mudar e que a oferta que aqui traz dá à região algo que até há pouco não existia. Formado na Escola de Hotelaria de Coimbra, tornou-se conhecido primeiro pelo chocolate. Criou o bombom de Licor Beirão, foi premiado no Concurso Pasteleiro Júnior e lançou-se no mercado com uma marca de chocolates própria, a FS, com a qual está a desenvolver uma linha de bombons com diferentes produtos regionais, da flor de sal de Rio Maior ao mel da Lousã e até já fez um com serpão, a erva selvagem que se usa nos tradicionais maranhos.
Desde que chegou ao Villa Pampilhosa Hotel já teve convites para ir para outros lugares, mas acredita que ainda tem muito trabalho a fazer por aqui e está empenhado também em trazer outros profissionais para a região, seja para trabalhar na cozinha ou na sala.
Não é nada fácil conseguir gente para trabalhar no interior, explica. Ele próprio, quando disse aos amigos que vinha para a Pampilhosa, viu-os reagir com surpresa. Mas, depois de várias experiências em restaurantes de Lisboa, está convencido de que aqui se tem uma coisa que lá não se encontra: “tempo e paz de espírito para criar”.
Foi isso que lhe permitiu criar, por exemplo, o prato seguinte, que vai servir depois do creme de castanhas com cebolada de mel, e que é uma versão do bacalhau mas com dois pedaços de bacalhau com curas diferentes (nove meses e 20 meses), presunto, batata-doce, legumes e pó de amêndoa. Ou a sobremesa com que finalizamos a refeição e a que chamou Beira Serra, porque leva de tudo um pouco, tigelada, doce de castanha e Vinho do Porto, gelado de mel, arroz doce e trufa de medronho.
A gastronomia — a tradicional e a contemporânea — é uma das grandes apostas das Aldeias do Xisto para 2017, explica-nos Rui Simão, coordenador da ADXTUR, a associação que dinamiza o projecto. O objectivo é criar o circuito gastronómico das Aldeias do Xisto, que passa pelo convite a chefs “para se juntarem aos que cá estão, conhecerem os produtos locais e criarem um prato que ficará depois no menu do restaurante que os convida”. O primeiro será o chef António Alexandre, que virá para Penela. Além disso, haverá uma Xisto Week, para promover os menus e produtos endógenos, do mel DOP da serra da Lousã aos cogumelos, do medronho aos maranhos, das lagaradas à chanfana.