Fugas - Viagens

  • Adriano Miranda
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  • “O meu pai”, recorda Isaura, “nunca nos deixou o sapato [de Natal] vazio”.
    “O meu pai”, recorda Isaura, “nunca nos deixou o sapato [de Natal] vazio”. Adriano Miranda
  • Aníbal, que é uns anos mais velho, também se lembra da laranja ou da maçã que ganhava no dia de Natal.
    Aníbal, que é uns anos mais velho, também se lembra da laranja ou da maçã que ganhava no dia de Natal. Adriano Miranda
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  • Mario Santos amassa o pão que vai a cozer no forno a lenha na Loja das Aldeias de Xisto
    Mario Santos amassa o pão que vai a cozer no forno a lenha na Loja das Aldeias de Xisto Adriano Miranda
  • Kerstin Thomas, umas das proprietarias e dinamizadora do centro criativo Cerdeira Village
    Kerstin Thomas, umas das proprietarias e dinamizadora do centro criativo Cerdeira Village Adriano Miranda

Natal é quando o madeiro arde e a couvada está na mesa

Por Alexandra Prado Coelho

Desde que o projecto das Aldeias do Xisto foi lançado, em 2007, localidades abandonadas do centro do país regressaram à vida e outras recuperaram, com o turismo, um dinamismo perdido. Terras de tradições fortes e histórias por descobrir, são por estes dias o perfeito cenário de Natal.

Na véspera de Natal, Isaura e os irmãos deparavam-se com um dilema: seria melhor deixar a janela aberta para o Menino Jesus poder entrar com as prendas ou fechá-la para se resguardarem do frio que fazia lá fora? “A minha mãe dizia-me ‘Não te apoquentes, filha, que se o Menino Jesus vier, ele há-de encontrar maneira de entrar’.”

E, apesar de ser muito pouco o dinheiro em casa, o Menino Jesus arranjava sempre maneira de deixar alguma coisa nos sapatos que os irmãos deixavam no parapeito da janela. “O meu pai”, recorda Isaura, “nunca nos deixou o sapato vazio”. “Havia sempre uns rebuçadinhos, não era um punhado, eram só mesmo uns que cabiam no fundo da mão, mais uns figos secos, uma laranja.” É por isso que até hoje, mesmo em mesas de consoada com abundância e variedade de comida, Isaura nunca deixa de pôr uns figos secos em memória desses Natais antigos.

Aníbal, que é uns anos mais velho, também se lembra da laranja ou da maçã que ganhava no dia de Natal. Era pouco mas “a gente via aquilo e ficava tão contente, tão contente”, interrompe Isaura, transbordante de entusiasmo à medida que regressam aquelas recordações de infância na aldeia de Janeiro de Cima, hoje uma das 27 Aldeias do Xisto no Centro de Portugal, esta mesmo à beira do rio Zêzere.

Encontramo-nos com Isaura Antunes e Aníbal Almeida na Casa das Tecedeiras, no centro da aldeia, e aí, no meio dos teares e dos objectos que mostram como o cultivo e a transformação do linho foram no passado muito importantes aqui, passamos boa parte da manhã a ouvir as histórias que os dois contam. Ambos passaram muito tempo fora, emigrados em França, mas sempre com o sonho de voltar a Janeiro de Cima.

Nunca deixaram de pensar nos namoricos à beira da cerejeira durante os passeios de domingo da “volta à folha” (quando iam até à zona conhecida como Folha de Cima), “o bailarico ao toque do realejo”, os dias de trabalho de sol a sol a apanhar a azeitona, a sachar o milho ou a tratar o linho, o “aquecimento central” garantido pelos animais na parte de baixo das casas e até a sardinha ou o chicharro que chegavam da Pampilhosa e que à mesa eram divididos por três.

“Aos 12 anos comecei na apanha da azeitona, a ganhar ao dia, quem precisava chamava”, conta Isaura, recordando como era difícil criar uma família grande. “A minha mãe teve 13 filhos, criou oito. Não me lembro de ter fome, mas não foi fácil.” Já Aníbal não esqueceu os tempos do racionamento, na altura da II Guerra Mundial, e sobretudo o dia em que, era ainda garoto, o mandaram ao Esteiro buscar pão.

“Tínhamos que passar o rio três vezes e cada um tinha direito a um certo número de quilos de pão, consoante o número de pessoas que tinha em casa”, explica. “Eu estive na fila das dez da manhã até às oito da noite para trazer meio pão. Tinha tanta fome que pelo caminho ia tirando uns bocadinhos a pensar ‘Ai que eles vão ver que mexi nisto’. Quando cheguei a casa só levava um quarto do pão.”

Da ceia de Natal, Isaura confessa que não se lembra. No dia 25, sim, a mãe “cozia o feijão com couve e punha-se uma chouriça da melhor ou um bocadinho de carne da melhor”. Bacalhau, lá ia chegando a Janeiro de Cima, mas não era para todos. “Havia aqui dois clãs, o dos agricultores e o dos que trabalhavam nas minas da Panasqueira”, conta Aníbal. “Esses eram o que tinham dinheiro e abarbatavam tudo. Recordo-me de um deles chegar à loja dos Almeidas e dizer ‘Há aí bacalhau? Ponha de parte que é para nós.’ E o resto do povo tinha que lhes ir pedir se dispensavam um bocadinho.”

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