Fugas - Viagens

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O "Carnatal" de Kalibo

Por Sousa Ribeiro

Em Kalibo, na ilha de Panay, a rainha de todos os festivais do país atrai, durante dez dias em Janeiro, meio milhão de visitantes, com eventos religiosos e cortejos em que a música, a dança e a cor impregnam a atmosfera de uma euforia contagiante.

- É memorável. Não há outra festa assim, um ambiente que contagia até o mais triste dos seres humanos; as bandas de rua, a música, a dança, difícil mesmo é encontrar palavras para explicar o que se sente e a intensidade com que se vivem estes dias tão aguardados ao longo do ano, assegura-me, com um grande sorriso no rosto, Sheame Julian.

À medida que as horas vão passando e se anuncia o fim-de-semana, a atmosfera enche-se de uma ansiedade eufórica que se revela bizarra aos olhos do turista menos familiarizado com o calendário festivo das Filipinas – muitos espaços comerciais encerram as suas portas, os mercados perdem parte da sua alma, em redor, nas aldeias, nas vilas e nas cidades, nas ilhas e um pouco por todo o lado, os sentidos viram-se para Kalibo, a urbe com cerca de 80 mil habitantes que durante 10 dias recebe mais de meio milhão de visitantes, atraídos pelas celebrações, religiosas ou pagãs, do festival anual de Ati-Atihan.

- Não percas. Se, por acaso, nos encontrarmos ainda bebemos uma cerveja juntos, diz-me a jovem vendedora de legumes, um corpo presente e uma cabeça ausente, já a imaginar no seu cérebro os momentos de folia que se irão prolongar até aos primeiros alvores de um novo dia.

Melinda Augustin era também uma jovem quando participou pela primeira vez no maior evento de Kalibo. Mas hoje, mais de 30 anos depois, já não vive envolta por esse mar agitado cujas ondas ainda preserva na sua memória.

- Não me lembro de um acontecimento que me tenha maravilhado tanto. Como eu abria a boca de espanto, fascinada com o movimento dos corpos, com o som produzido pelos instrumentos, com o espectáculo de cor. Não há outra festa com a dimensão de Kalibo, fonte de inspiração para outros festivais, como o de Sinulog, em Cebu, e o de Dinagyang, em Iloilo, ambos adaptações de Ati-Athian.

A noite tomba, despeço-me de Melinda Augustin, uma mulher já com perto de 60 anos para quem o tempo parece ser sempre escasso para as suas tarefas de voluntariado em Boracay — um dia planta árvores, num outro recolhe plástico, num outro ainda organiza acções de caridade para os mais desfavorecidos; há nela, na sua natureza, uma bondade que não tem limites e que a leva a encontrar sempre umas horas da sua vida para tornar quem a rodeia mais feliz.

- Então estamos combinados, às cinco e meia aqui? É melhor ir cedo, a maior parte das ruas estão vedadas ao trânsito e os autocarros são obrigados a deixar os passageiros ainda longe do centro da cidade.

À espera do cortejo

Com as histórias que ouvira, navegando nas recordações de quem as contava com prazer, também em mim crescera uma ansiedade que aumentava agora, caminhando na penumbra, na companhia de Melinda Augustin, por uma rua deserta ao encontro da estrada principal e de um triciclo para nos levar até ao cais onde os barcos dançavam ao sabor da suave ondulação, à espera de esgotarem a lotação e logo rumarem a Caticlan, já na ilha de Panay e ponto de partida dos autocarros com destino a Kalibo. Sentia que, por vezes, Melinda Augustin me fitava com uma atenção afectuosa mas também ela, como muitos dos que ocupavam os assentos confortáveis do autocarro, não tardou a cabecear um sono; eu, embora fazendo aquele percurso pela segunda vez, devia ter o rosto emoldurado por uma expressão de êxtase perante a força da natureza, de um verde viçoso, da tonalidade azulada do mar que de quando em vez se insinuava por entre as árvores e dos extensos campos de arroz.

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