Um deles é a Laser Guide Star Facility (Unidade de Laser de Estrela-Guia). Os seus quatro emissores acoplados ao UT2 emitem raios laser com 30 centímetros de diâmetro e 22 watts de potência (4000 vezes a de um ponteiro de laser) de forma a excitar átomos de sódio localizados na atmosfera a 90 mil metros de altitude e assim criar estrelas artificiais. Estes pontos de luz são usados para compensar as distorções causadas pela turbulência atmosférica, responsável pelo familiar brilho intermitente das estrelas vistas da Terra. Esta é a descrição científica e racional de um sistema de óptica adaptativa que por sorte pudemos ver ser testado entre as nove e dez horas da noite de 3 de Dezembro de 2016.
Estar de pé nesta plataforma uns 1500 metros acima das nuvens, rodeado por estruturas iluminadas pela ténue luz de meia-lua enquanto uma delas propaga quatro raios laranja-fluorescente em direcção a um céu exuberantemente estrelado poderia talvez ser descrito como uma experiência religiosa. Só que aqui não é a natureza que esmaga, nem a manifestação de um qualquer ente organizador do universo que comove. É o peso de milénios de conhecimento humano acumulado, transmitido e aperfeiçoado por homens e mulheres de diferentes eras, territórios, culturas e crenças cuja curiosidade, sede de descoberta e investimento no futuro soube vencer as diferenças, os obstáculos e as fronteiras que fomos e vamos colocando uns aos outros para chegar um pouco mais longe – que em astronomia significa também um pouco mais perto.
A estadia
O edifício semienterrado no cerro, abaixo da plataforma dos telescópios, foi projectado pelo atelier de arquitectura alemão Auer+Weber e inaugurado em 2002 com o nome Residencia. É neste híbrido de mosteiro, resort e colónia extraplanetária que as equipas do VLT comem e dormem – e há sempre alguém a dormir em qualquer hora do dia e da noite. Mas também é aqui que podem ver cinema, tocar bateria, jogar pingue-pongue, fazer exercício ou ler nos espaços desenhados especificamente para cada actividade. Ou nadar na piscina rodeada de plantas tropicais bem no centro do edifício e debaixo da cúpula de vidro de 35 metros de diâmetro. Uma aparente excentricidade que tem um propósito tão prosaico quanto essencial: aumentar a humidade relativa no interior do edifício, dos 6% do exterior para uns mais habitáveis 12%.
A Residencia tem capacidade para entre 100 a 110 pessoas, sendo a maioria do pessoal do ESO que aqui trabalha permanentemente: operadores de telescópio e instrumentos, engenheiros e técnicos de manutenção ou instalação de equipamentos e astrónomos (10% do total). Estas 180 pessoas trabalham por turnos em 85 funções, sendo cada turno composto por oito dias de trabalho e seis dias de descanso passados em Antofagasta ou em Santiago. Os residentes ocasionais, como eu, ficam em quartos de alguém que está fora, convivendo uma noite com as coisas que fazem de uma residência a sua casa.
A jornada de trabalho tem lugar de dia, para a maioria dos técnicos responsáveis pela manutenção ou instalação de equipamentos, ou de noite, para os cientistas visitantes (em média 15 por mês) e operadores de telescópio e instrumentos. A intensidade do trabalho, a alta rotatividade de visitantes, a localização inóspita do observatório e ainda as condições de alta altitude e baixa humidade fazem com que trabalhar no Paranal, onde se trabalha 24 horas por dia, 365 dias por ano – tendo em conta que o VLT tem em média 300 noites por ano de bom seeing, termo usado para descrever condições óptimas de observação – seja tão estimulante quanto extenuante. Por isso o descanso, o exercício e o entretenimento são fundamentais. Tal como a qualidade da arquitectura e da comida.