Preenchia-me um sentimento de alívio quase insano quando o barco começou a cortar as águas da baía, deixando para trás uma cauda de espuma e os edifícios, a maior parte deles inestéticos, de Cancún. Na memória, ainda se desenhavam grupos de turistas de pulseira no braço, vestidos como se, por força de um qualquer capricho, o avião que os transportava resolvesse fazer uma escala no estado de Quintana Roo a caminho do Havai — camisas e calções de padrões irreais, como arco-íris com pernas, logótipos de cadeias de comida rápida tatuados em cabeças lisas como ovos, toda uma fauna apressada e tumultuosa deambulando pela sala de pequeno-almoço com pratos que rapidamente adquiriam formas semelhantes a ruínas maias.
Isla Mujeres.
Às primeiras horas da tarde, com o céu de um azul imutável, conheço Cátia Grimaldi, que de certa forma contribui para exacerbar o sentimento que Cancún transportara para a minha alma.
- Também acabo de chegar mas esta é a minha segunda experiência na ilha. Da primeira, ainda guardo uma recordação vívida: fiz snorkeling, estive num iate desfrutando de uma panorâmica maravilhosa e senti uma maior aproximação à cultura local quando provei um dos deliciosos pratos da região, o peixe tikin xic. Mas o que mais aprecio na Isla Mujeres é a vibração que transmite, de paz e serenidade, ao contrário de Cancún, com muito tráfego e ruidosa.
Uma galinha, debicando aqui e ali, passa à nossa frente. Uma amiga, Minerva Bahena, sentada ao lado e até agora silente, acena com a cabeça:
- E os habitantes, como terás oportunidade de comprovar, são especialmente alegres, sentem prazer em receber e de nos ter entre eles. E nunca recusam ajuda.
A isla, como lhe chamam os seus 11 mil habitantes — todos se conhecem — está situada no golfo do México e não é, em termos geográficos, mais do que uma tira que se estende ao longo de oito quilómetros e com uma largura que não ultrapassa os 500 metros. Mas está repleta de histórias de piratas e de mitos maias — ou de anedotas.
- Era aqui que os corsários deixavam as suas amantes enquanto saqueavam os galeões — conta, com um rosto emoldurado por um sorriso, um dos empregados do pequeno restaurante onde me sento, ao fim da tarde, vendo o mundo passar à minha frente.
Numa versão menos romântica, é necessário recuar 500 anos, até 1517, para perceber a sua toponímia. Nesse ano, Francisco Hernández de Córdova desembarcou na ilha (os primeiros espanhóis chegaram seis anos antes mas na sequência de um naufrágio) à procura de escravos para as plantações em Cuba. Mas pouco mais se lhes deparou do que um conjunto de estátuas femininas em barro — inspirado por essa imagem, baptizou o lugar como Isla Mujeres.
O que o conquistador espanhol desconhecia é que a ilha estava consagrada a Ixchel, a deusa maia do amor, da fertilidade, a padroeira da medicina, do tecido, do parto e das inundações, um vasto domínio tão intimamente ligado — perdoam-se, por isso, alguns exageros — e que estimulava os crentes a deixarem as suas oferendas, na forma de ícones femininos espalhados ao longo das praias. Para as mulheres desta civilização, uma peregrinação à Isla Mujeres era considerada uma etapa importante na sua passagem à idade adulta e, ainda hoje, a despeito dos danos provocados pelo furacão Gilbert em 1988, se podem ver, no extremo sul da ilha, onde a largura não chega aos 300 metros, vestígios de um templo dedicado à deusa.