Fugas - Viagens

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Em Odessa, rir ainda é o melhor remédio

Recortada contra a fachada da estação banhada pelo sol, avisto Irina Polozenko acompanhada da filha, incumbida, tenho a certeza, das funções de tradutora. Ela não me reconhece à distância mas seguramente que tem ainda uma lembrança, talvez já um pouco vaga, da conversa que, com a ajuda do marido, preenchera algum do nosso tempo em Lviv.

- Serás nosso convidado. Odessa é uma cidade fantástica e mais especial ainda no primeiro dia de Abril, quando ocorre o festival de humor. Promete que nos visitas.

Humor salva o mundo

Cumprira a promessa, chegava a 1 de Abril, mas declinara o convite para me instalar na casa do casal ucraniano. Quando saio da estação, os meus olhos pousam de imeditato nas cinco cúpulas prateadas em forma de cebola da igreja russa ortodoxa Panteleymonivsky, erguida por monges gregos com pedra proveniente de Constantinopla em finais do século XIX. Lembro-me de ter lido sobre a lenda: sempre que os russos pintam sobre os frescos, estes, como que por milagre, reaparecem; verdade ou não, lenda ou nem por isso, foram cobertos pela mão dos soviéticos e, com algum esforço, recuperados e visíveis na sua forma original.

Irina e a filha, Kristina, concederam-me tempo para deixar a minha mochila no hostel e, juntos, a pé, fomos percorrendo a distância que nos separava do centro. Uns vinte minutos mais tarde, parcialmente escondida por árvores que se semelhavam a cotos, descobri a verdadeira jóia da arquitectura de Odessa, o Teatro de Ópera e Ballet, um projecto, desenhado em 1880, de Ferdinand Fellner e Herman Helmer, os dois homens que também criaram a famosa Ópera de Viena.

Odessa, tão cosmopolita, como vim a descobrir ao longo dos dias que lhe dispensei, cativava-me. O sol brilhava, os ucranianos, tão taciturnos, com rostos tão fechados, como até agora os definia, mostravam-se sorridentes.

- Compara os países do Norte da Europa com os povos do Sul, os espanhóis, os italianos, os gregos, os portugueses. Não será igual? Catarina, a grande, não quis fazer de Odessa a São Petersburgo?

Por momentos reflecti sobre as palavras de Vitaly Polozenko, que acabara de se juntar a nós, não era eu que fazia as perguntas agora, limitava-me a observar. Ele tinha razão.

- Temos o mar, muitos dias de sol, uma cidade que de há muitos anos a esta parte sempre se revelou hospitaleira para quem a visita mas também para todos aqueles que sonhavam em fazer fortuna.

Concentro-me de novo na fachada do edifício que esteve fechado durante anos, mais tarde reconstruído para ser reaberto, para orgulho de todos, há precisamente dez anos. Ao fundo, em frente a um museu, um grupo, destacando-se pela multiplicidade de cores, posa para uma fotografia. Só depois percebo que muitos deles são palhaços, que outros têm os rostos maquilhados, que todos, no seu conjunto, revelam uma boa disposição que tem algo de contagiante. Vão sorrindo enquanto caminham, abordam quem passa, os transeuntes riem-se provavelmente das piadas que não escuto e, mesmo que escutasse, não compreenderia, a vida começa a pulsar com mais energia até que, depois de se deixarem fotografar em todas as estátuas por onde passam, se escondem nos bastidores de um palco montado de costas para o mar cintilante. Entre eles está Georgyi Deliev, um nome que, mesmo sem ser mediático no país, sem uma presença regular na televisão a despeito do seu talento, os habitantes de Odessa se habituaram a respeitar ao longo dos últimos anos.

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