Fugas - Viagens

  • Rui Gaudêncio
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  • Francisco Lodeiro

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A cozinha sem disfarces da Galiza

As vieiras proliferam pelos menus, quase tanto como a tarte de amêndoa. Nas traseiras da catedral, na Plaza da Quintana de Vivos (também há a de Mortos, ao lado do cemitério) está o convento de San Paio de Antealtares. Foi construído no século XI para monges beneditinos, mas no século XV passou a albergar freiras. Chegaram a ser 500, agora são 29.

Dizem que aqui há as melhores tartes, feitas por mãos beatas na devoção a Deus e à receita: só leva amêndoa e nada de trigo, como as que se vendem nos outros locais. É por isso que é também mais cara do que nos outros sítios. “Fomos os primeiros a fazer”, orgulha-se, do lado de lá do postigo, uma freira que não quis dar o nome, mas que diz que vive aqui há 30 anos em clausura. “Podemos falar com as pessoas mas só saímos por necessidade, para ir ao médico ou algo assim.” Garante que esta tarte “está documentada desde o século XV, quando chegaram as primeiras irmãs”. “As amêndoas vêm da Andaluzia.” A conversa é terminada pela chegada de três caixas de limões, que são depositadas à porta e libertam um cheiro intenso.

Se quisermos continuar o rumo dos doces, segue-se pela Rua do Vilar, que sai da Praza de Praterias. À esquerda, o café Airas Nunes (trovador medieval galaico-português) recebe os clientes com fados de António Zambujo e um menu de pequeno-almoço chamado Rei D. Dinis — café, sumo de laranja natural, croissant, bolo caseiro. Mas basta pedir um café e virá um pedaço deste bolo (na Galiza chamado de biscoito) como oferta da casa. Noutros locais, como no Bar Latita, na Rua Nova, oferecem-se pratinhos de uma deliciosa tortilla. Só temos de dizer “graciñas”, o “obrigadinho” galego.

A tarte que faz concorrência à das freiras está mais adiante, à direita, na Mora, Mercedes Mora. Entre chocolates e bombons, as pilhas de caixas de tarte galgam o balcão, com a cruz de Santiago desenhada em açúcar em pó.

Também são típicas as filloas, que sobretudo durante o Carnaval andam por todo o lado, nas pastelarias e em casa. Na verdade, são parentes muitos próximos dos crepes franceses. Vamos comê-las à sobremesa do almoço, mas já não em Santiago de Compostela.

As amêijoas e os berbigões

Antes, damos um salto até Vilagarcia de Arousa, uma localidade encostada à ria. Começamos por uma visita ao mercado e detemo-nos no pão, sobretudo nos moletes — grandes e redondos. Os galegos orgulham-se de ter o melhor pão de Espanha e a broa de milho branco da Iolanda Fabello poderá deitar por terra muito preconceito português.

Calhou-lhe no destino dedicar-se ao negócio da família do marido, e aos 48 anos é essa a sua vida e está contente com isso. A bisavó dele fazia pão, a avó também, a mãe igualmente, agora é Iolanda. Tudo feito à mão, com milho branco “do país” (ou seja, galego) que eles próprios moem, tal como fazem aos trigos que usam nos outros pães. Às segundas e sextas-feiras fazem a massa, às terças e sábados vendem no mercado. Os dois filhos não têm a mesma vocação, por isso ninguém sabe o que vai acontecer à tradição familiar. Mas sem pessimismos, porque o futuro a Deus pertence. “Eu também não sabia que ia acabar por me dedicar a isto”, afirma Iolanda Fabello. Há, em todo o caso, um problema a avizinhar-se: a escova de palha que usam para limpar o forno é feita por um único homem, que se vai reformar. “Ainda não conseguimos encontrar outros que a façam.”

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