Fugas - Viagens

  • Rui Gaudêncio
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A cozinha sem disfarces da Galiza

Já fora do mercado provamos a broa de milho branco de Iolanda. Fazemos inversão de marcha, voltamos a entrar no mercado e compramos-lhe um naco maior.

Quem vai a Vilagarcia já agora vai a Carril, sobretudo se tiver tempo para ficar sentado à mesa do Loliña. É um restaurante dos anos 1930 que bem poderia ser do Norte de Portugal, com paredes em pedra, travessas de loiça e quadros pendurados, toalhas de pano branco nas mesas. Asseguram-nos que Julio Iglesias é fã, tal como muitas outras celebridades.

Começamos com as tradicionais amêijoas à marinheiro (com paprika, cebola, azeite) e molete para o molho. Segue-se a empanada de mexilhões, que quando entrámos estava em cima do balcão num enorme tabuleiro, a ser cuidadosamente cortada em rectângulos; as vieiras servidas na concha, gratinadas com pão ralado; o arroz de tamboril (ou peixe sapo) bem malandro, e a tal filloa de chocolate e arroz doce para fechar. Mais Galiza do que isto é difícil.

Ou não.

Não há nada que Jesús Manuel Lourenzo, de 36 anos, mais aprecie que o seu Caviar de Erizo, as ovas de ouriço-do-mar que a conserveira Los Peperetes vende em pequenas embalagens cor-de-laranja. Tiram-se as ovas com uma colher de café e vão directamente para a lata, com um pouco de caldo com água, sal, limão e cebola. Já agora um dado: por cada 100 quilos de ouriço, 95 vão para o lixo, daí ter um preço tão elevado.

Mas a estrela da marca são os Berberechos ao Natural — os berbigões.

Esta é uma empresa familiar que dá trabalho a todos: ao pai, também Jesús Manuel, que há 25 anos fundou a conserveira; à mãe, Maria Antonia, que aplica aqui as suas receitas; e aos irmãos de Jesús, Santiago e Belén. Segundo a tradição galega, são as mulheres quem trabalha nas conserveiras e aqui não é excepção entre as duas dezenas de trabalhadores da empresa. “Talvez por serem mais delicadas e pacientes, não sei”, adivinha Jesús. “Todos os produtos passam pelas suas mãos. Retiram as cabeças de sardinha uma a uma.”

Estamos em frente à ria e as estacas que vemos a sair da água marcam a delimitação dos “terrenos” dos apanhadores de amêijoas, mexilhões, lingueirão... A população de Carril, de pouco mais de três mil habitantes, sempre viveu do mar. “Aqui só havia grandes conserveiras, a fabricar milhares por dia, mas nada mais pequeno a fazer especialidades”, afirma Jesús Lorenzo. Os bisavós já eram conserveiros e “a esse historial” juntou-se a mão da mãe para a cozinha. Por isso, não há só as ovas de ouriço, o berbigão ou os percebes enlatados (dizem que são os únicos em Espanha que os fazem); há choquinhos com tinta, azeite, cebola e tomate, entre outras receitas que vêm da família.

“Começámos com uma produção de poucas centenas de latas diárias, agora há alturas em que chegamos a fazer quatro mil”, conta Jesús Lorenzo. Nas grandes fábricas serão 300 mil a sair todos os dias, aponta. Mas eles querem manter a qualidade acima de tudo e essa não se consegue com números assim. “As produções são limitadas pelo que o mar nos dá e nós conseguimos fazer. Não vamos buscar produto fora, não estamos em guerra de preços, estamos em guerra de qualidade.”

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