Fugas - Viagens

  • Rui Gaudêncio
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A cozinha sem disfarces da Galiza

É ainda tudo artesanal, com máquinas para fechar as latas dos anos 1960 e 70, e que “são eternas!”. Uma outra, maior, é como uma panela de pressão gigante e serve para eliminar micro-organismos. “Se não fizermos isso, a lata pode começar a inchar pela fermentação. Os nossos produtos continuam bons ao fim de cinco anos. As sardinhas ganham qualidade com o tempo, é como o vinho!”

Fizeram uma pareceria com o chef José Andrés — a quem se atribui ter levado a moda das tapas para os Estados Unidos — e há até toda uma linha de produtos com o seu nome. Consta que os apresentou na Casa Branca ao Presidente Barack Obama.

Já estão a vender nos EUA mas não foi fácil: “Ainda associam as conservas a comida para militares ou para animais de estimação.”

Os ouriços

Ouriços também são uma iguaria para Ramón Farto. Mas não nas latas dos Peperetes. Toda a sua vida, que leva 53 anos, foi passada numa banca de peixe no mercado da Plaza de Lugo, na Corunha — onde a mãe e a avó já trabalhavam — e aqui os vende, a 7 euros o quilo. De vez em quando abre-os e come-os crus, sem nada. “Há pessoas que gostam, outros nem lhes tocam”, diz. “Só há quando os pescadores apanham a maré baixa e bom tempo.”

Aponta para a banca, que ocupa o espaço de duas: “Isto é tudo meu e estou solteiro! Se os meus filhos, que estão nas Canárias e em Madrid, não pegarem nisto, deixo ao Oscar [o seu ajudante] que é solteiro também. Sabemos dançar, cozinhar, tratamos da roupa, conversamos.”

Quem preferir a carne terá de ir ao piso de cima. No talho Carneceria Fina encontramos uma cabeça de porco, que parece sorrir, com as orelhas ainda para cima. “É para o cozido”, explica Manuel Vasquez, que trabalha aqui com a mulher. “Os produtos do cozido vendem-se muito no Inverno, e de Verão é mais carne para churrasco.” Também há pernil fumado — o lácon — que, com grelos, é outros dos pratos típicos dos meses mais frios. “Levamos o pernil a uma padaria que tem um forno grande e assamos lá.”

O lacón também se pode comer dentro de um pão, como bocadillo (que é como quem diz, sanduíche), na Jamoneria La Marina, na Avenida da Marina. Há presuntos pendurados no tecto, como nas charcutarias madrilenas, e filloas na vitrine. Optamos por um bocadillo de chicharrones: a carne que está junto aos intestinos do porco e que vem muito miudinha para o pão. Serve-se quente, com tomate (e custa 5 euros). É chegar, comer e partir com um sorriso na cara para o almoço que teremos a seguir e que encerrará este périplo.

O Árbore da Veira fica numa das principais ruas do centro histórico da Corunha, a San Andrés. Enquanto o chef Luis Veira se ocupa da cozinha, Xan Domínguez, director de marketing do restaurante (com uma estrela Michelin) começa a contar-nos como cresceu esta Árvore. Mas antes lança uma pergunta que dará azo a um longo tema: “Quer que fale em galego ou castelhano?”. Galego, por favor. E aqui vem: “É que nós temos diglossia, uma utilização desequilibrada dos dois idiomas.”

Recuamos ao tempo da ditadura de Francisco Franco, entre 1939 e 1975. “O galego era mais habitual nos meios rurais e pequenos, e mal visto nas zonas urbanas. Nas cidades, a administração pública tinha que falar castelhano e o galego foi banido das escolas [e dos media].” O galego passou a ser a língua dos pobres, dos camponeses e daqueles que não tinham instrução. “Em casa, os pais começaram a falar castelhano com os filhos para eles se habituarem, mas não falavam assim tão bem. Com isto, houve três gerações urbanas na Galiza que passaram a sofrer de diglossia. O Luis [Veira] tem 37 anos, é do bairro de El Viña, e os pais já não falavam galego em casa. Eu, que sou de Cedeira, a 120 quilómetros da Corunha, falava.”

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