Entre Corbusier e a arquitectura popular
A Casa das Marinhas e a Casa de Ofir serão, pois, as referências principais da visita que se justifica fazer às casas modernistas de Esposende, que a Fugas percorreu também guiada pelo arquitecto portuense Sérgio Fernandez, que começou precisamente em Ofir a sua actividade profissional, quando ainda era estudante na Escola de Belas Artes do Porto.
“O Viana de Lima é um dos pilares da arquitectura moderna portuguesa; ele era absolutamente obcecado, no bom sentido, pelas teorias de Le Corbusier, e a Casa das Marinhas é um produto-síntese dessa circunstância, das suas referências arquitectónicas e da evolução da sua leitura”, diz Fernandez, que, no início da sua carreira, trabalhou no atelier daquele arquitecto durante mais de uma década.
Natural de Esposende e radicado no Porto, Viana de Lima (1913-1991) quis, em meados da década de 1950, construir uma casa de férias para si e a sua família na terra natal. Depois de considerar diferentes localizações, decidiu-se por um terreno junto à EN13, nas Marinhas, na estrada que liga Esposende a Viana do Castelo. E escolheu erguer a moradia a partir de um velho moinho desactivado, integrando esse corpo cilíndrico no projecto.
Com apenas dois pisos e as dimensões exíguas que então se consideravam suficientes para passar o período de férias, a Casa das Marinhas é aquilo a que já chamaram um “solar dos tempos modernos”: tem cozinha, sala de jantar e de estar no piso térreo, que abre com um pé-direito duplo para o piso superior, onde se acomodam dois pequenos quartos e um espaço de trabalho com uma varanda virada a oeste e ao mar. Em volta, um amplo espaço de jardim pontuado com pinheiros e pequena calçada de toque nipónico a definir os percursos pedestres.
Construída em granito, betão, madeira e tijolo, a casa reflecte claramente o programa modernista de Corbusier, assumindo inclusivamente — realça Paulo Guerreiro — o “sistema modulor” inventado pelo arquitecto franco-suíço, que visava substituir o sistema métrico por unidades de medição estabelecidas a partir do corpo humano.
As cores branco, azul, vermelho, na sua relação com a superfície da pedra e o verde envolvente, voltaram a marcar a singularidade e a beleza desta casa-manifesto depois que a Câmara a restaurou.
A casa da chaminé amarela
No lado sul deste mapa da arquitectura moderna de Esposende fica a Casa de Ofir, de Fernando Távora (1923-2005), escondida no pinhal deste lugar junto à praia — onde sobrevivem também ainda os três “prédios Coutinho” que o mar continua a ameaçar — que desde a primeira metade do século XX passou a ser especialmente procurada pelas elites do Porto e pelos industriais do Vale do Ave.
Não é fácil chegar a esta casa, mas quando a avistamos serpenteando os caminhos estreitos do pinhal, a primeira marca visível de identificação é a chaminé amarela, que replica as construções tradicionais da região. Com um desenho em “v”, resguardando as duas frentes do vento norte e oeste, esta moradia térrea “é uma mistura virtuosa da arquitectura de Le Corbusier e de elementos da arquitectura tradicional portuguesa”, nota Sérgio Fernandez, realçando, no entanto, que “o que ela tem de mais português é a escala humana e íntima”, proporcionando “o máximo de aconchego” para os moradores.