E é disso também que fala Agustina, quando, nas suas memórias — O Livro de Agustina Bessa-Luís (Três Sinais Editores, 2002) —, recorda a sua amizade com Ilse Losa, a escritora de origem alemã e judaica que foi casada com Arménio Losa e passava férias nessa casa de Esposende. “Foi uma companhia de raro proveito para mim, porque a Ilse era muito culta, tinha um humor tímido que é marca de grande respeito pelos outros”, escreve a autora de A Sibila.
Arquitectos na oposição
Algumas dezenas de metros ao lado, mas desta vez virada para a foz do Cávado, está a banda de nove casas de Viana de Lima, que, no seu traço também elementar, são bem representativas da estética modernista. Se uma delas foi já totalmente adulterada por intervenções posteriores e acrescentos, a maioria mantém ainda a estrutura original: dois pisos, áreas de estar e serviços no rés-do-chão e quartos em cima, com varanda em madeira; paredes brancas, um nicho à entrada da porta, iluminação interior conquistada à luz do dia... Ou seja — nota Paulo Guerreiro —, “a concretização do ideário do CIAM [Congresso Internacional de Arquitectura Moderna]”, que Viana de Lima frequentou durante toda a década de 1950, e a quem Sérgio Fernandez acompanhou, em 1959, na reunião nesse ano realizada na cidade de Otterlo, na Holanda.
Apesar de tudo, esta banda de moradias geminadas de Viana de Lima apresenta situações diferenciadas: umas mantêm-se fiéis ao original, outras estão fechadas, mostrando sinais de degradação, outras têm já acrescentos e outras ainda esperam licença para novas intervenções.
À pergunta sobre se estas casas poderão vir a ser classificadas, e assim protegidas na sua exemplaridade patrimonial, Paulo Guerreiro diz que “esse é o grande objectivo” do presente roteiro. Mas tem consciência de que “é extraordinariamente complexo defender estes imóveis e controlar os ímpetos de modernização”. “Como as casas têm um espaço muito exíguo, as pessoas querem adequá-las às necessidades contemporâneas”, acrescenta o técnico da autarquia. “Nós, arquitectos, continuamos a pertencer à oposição; somos vistos pelos políticos — que gostam sempre de dizer que sim aos munícipes — como personas non gratas”.
“Isto é sempre um processo vivo, uma luta de titãs para a defesa do património”, realça Paulo Guerreiro, empenhado, no entanto, em continuar a trabalhar pela salvaguarda do património arquitectónico de uma terra que é “um caso singular na faixa litoral do país”. “É um pouco como Caminha e Moledo, mais a norte; e São Pedro de Moel, a sul”, acrescenta Sérgio Fernandez.
“Este é um sítio onde os intelectuais, pessoas do ‘contra’ [oposição ao Estado Novo, de Salazar], e também uma certa elite económica se encontravam, e a arquitectura ficou como uma marca dessa modernidade e desse espírito de progresso”, nota Fernandez.
A completar este primeiro ciclo de divulgação e sensibilização para a importância da arquitectura resultante do Movimento Moderno em Esposende, o Museu Municipal apresenta, desde este fim-de-semana, a exposição Memento. Momento, comissariada por Paulo Guerreiro e destinada a mostrar o percurso da obra de Viana de Lima. Simultaneamente, o arquitecto e técnico da autarquia lança um livro com o resultado da sua investigação sobre esta figura, Viana de Lima e a influência do Movimento Moderno na arquitectura portuguesa.