Do ponto de vista construtivo, Távora concilia o uso do granito com o betão aparente, e rasga janelas amplas para o jardim, onde acrescentou uma duna artificial recheada de pinheiros.
Autêntico manifesto da arquitectura deste mestre da Escola do Porto, a Casa de Ofir — que foi recentemente restaurada após um incêndio — foi desenhada e construída numa altura em que Távora integrava o grupo (responsável pelo Minho) que realizou o Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal (1955-61), que iria ter reflexos importantes no desenvolvimento da arquitectura em todo o país.
O “Inquérito” foi, de resto, uma das demarcações para os três “momentos” com que Paulo Guerreiro organizou este roteiro do Modernismo em Esposende. Cerca de metade das casas assinaladas foram construídas após a realização desse levantamento, “um trabalho que passa a ser um documento doutrinal para o renascimento da arquitectura portuguesa”, realça o técnico da autarquia.
Entre as casas deste período, há projectos de autores que irão deixar depois marca na arquitectura contemporânea portuguesa do Norte do país, como Alcino Soutinho, Luís Pádua Ramos ou José Carlos Loureiro — destes, merece especial referência o caso de Soutinho, que tem junto à Praia do Suave Mar uma das suas primeiras obras, de um só piso, ainda com linhas modernas muito básicas. Alguns anos depois, em 1984 — é o projecto mais recente do roteiro —, o arquitecto desenhou em Ofir uma moradia com paredes cor-de-rosa e muitas chaminés, seguindo já o ideário pós-moderno que ganharia a sua expressão maior no seu projecto para a Câmara de Matosinhos.
Desejo de ser português
A assinalar o segundo “momento” do roteiro — o das influências do Movimento Moderno nos arquitectos portugueses no período entre as duas guerras mundiais —, no interior da povoação de Fão uma casa particularmente icónica é a que foi projectada pelos arquitectos Rogério Martins e João Andresen. Trata-se de uma moradia de forma minimal, estrutura em madeira, paredes de betão, portas vermelhas, garagem e também rodeada de pinheiros. “É um desenho que denota ainda uma certa hesitação entre uma supermodernidade e o desejo de continuar a ser português, como o fazia o Keil do Amaral”, nota Sérgio Fernandez.
O nosso arquitecto-guia, curiosamente, teve também nesta terra o seu primeiro “cliente”, quando, por via de Octávio Lixa Filgueiras, então seu professor na Escola de Belas Artes do Porto, projectou para o Hotel Ofir um acréscimo constituído por um átrio e uma sala de jantar, de que hoje já só sobrevivem as janelas.
“Foi já quase tudo demolido ou alterado com a ampliação do edifício”, diz Fernandez. O seu nome surge, de resto, também citado no roteiro Modernismo em Esposende, como autor de uma moradia unifamiliar na Praia do Suave Mar. Mas o arquitecto afiança não ter desenhado esta casa algo indiferenciada, de linhas brancas e modernas. Paulo Guerreiro diz que a sua assinatura consta dos registos urbanísticos na autarquia, mas isso pode ser o resultado de algo que muitas vezes acontecia na altura: o arquitecto responsável pelos projectos submetê-los com o nome de colaboradores seus mais jovens… Uma situação que o responsável da câmara promete “analisar, rever e eventualmente corrigir” numa futura edição e actualização do guia.