“A alma do Norte floresceu um dia, construiu nos pinhais um chalé branco, pôs-lhe um azulejo azul, botou patamar e alpendre à moda de mestre Raul Lino. Plantaram-se tamarizes na avenida; alguma dama no seu mirante aprendia piano com uma senhora do Porto, e tinha um chapéu com cerejas maduras. Distinguia-se; a sua gola de valencianas picada de grão de areia quando ela saía à rua…”
Agustina Bessa-Luís escrevia assim, em 1972, sobre Esposende, terra onde viveu uma meia dúzia de anos nas décadas de 1950-60, e cuja praia frequentou observando os “banhistas de gostos moderados — clericais, fechados — de Braga e de Barcelos” que aí desaguavam nos meses do Verão (in Vila e Concelho de Esposende – IV Centenário 1572-1972).
Actualmente podemos aí ver ainda as mesmas casas “à Raul Lino”; um hospital e um teatro centenário desenhados por Miguel Ventura Terra (o arquitecto da Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, e do Banco de Portugal, no Porto), o último agora transformado em Museu Municipal; e o recorte único dos velhos moinhos da Abelheira, nas Marinhas, ou o dos moinhos transformados em casas nas dunas da Apúlia… Mas Esposende é sobretudo um mostruário, quase um museu, da arquitectura moderna no Norte do país.
A Casa das Marinhas (Viana de Lima, 1954-57) e a Casa de Ofir (Fernando Távora, 1955-58) são sem dúvida os ícones locais maiores desta época em que a arquitectura portuguesa se aproximou de estéticas que então faziam já escola noutros países da Europa. Mas nas duas margens da foz do rio Cávado, com Marinhas a norte e Fão-Ofir a sul, encontramos um território particularmente fértil em exemplares de uma forma muito própria de desenhar casas, principalmente casas de férias, com as quais também se faz arquitectura — e se faz cidade.
A Câmara Municipal de Esposende decidiu que chegou a altura de dar uma visibilidade maior a este património arquitectónico raro. E se desde 2010 é proprietária da Casa das Marinhas, que entretanto recuperou, classificou e transformou em casa-museu, acaba também de lançar o roteiro Modernismo em Esposende (em versão papel e também online, permitindo visitas guiadas aos projectos originais), que desafia o visitante a não ficar apenas na praia e passar pelas pastelarias da terra a comprar as famosas “clarinhas”.
O lançamento do roteiro foi feito no início de Abril, na Casa das Marinhas, para uma plateia principalmente constituída por alunos da escola desta freguesia. Paulo Guerreiro, arquitecto responsável por aquela casa-museu e também pelo departamento do património cultural da autarquia, justifica o convite aos jovens estudantes com o objectivo pedagógico que esteve também na origem do guia. “O património é tudo aquilo que nós conseguimos defender e perpetuar no tempo, e a escola é fundamental para essa sensibilização”, diz o arquitecto na visita em que guia a Fugas nesse mapa à redescoberta das casas modernistas da terra.
São 18 os itens que compõem o roteiro, que identifica projectos realizados por dois engenheiros (Jorge Manuel Viana e Eduardo Martins) e 12 arquitectos — mesmo se no total as casas referenciadas se aproximam das três dezenas. E podiam ser muitas mais, nota Paulo Guerreiro, explicando que a selecção feita — que “não contém qualquer juízo de valor sobre a qualidade das arquitecturas” — procurou “enquadrar as casas num processo que pudesse ser compreendido pelas pessoas em geral”. Além de que também só estão assinaladas as casas cujos proprietários autorizaram a sua publicitação. “Não quisemos ferir as susceptibilidades dos proprietários, mas há muitas outras casas que poderiam entrar no roteiro, e que pensamos acrescentar numa posterior actualização, que facilmente pode chegar à meia centena”, acrescenta.