Fugas - Viagens

  • @kitato
  • @kitato
  • @kitato
  • @kitato
  • @kitato
  • @kitato
  • @kitato
  • @kitato
  • @kitato
  • @kitato
  • @kitato
  • @kitato
  • @kitato
  • @kitato
  • @kitato
  • @kitato
  • @kitato
  • @kitato
  • @kitato
  • @kitato

Argélia, um país sem pressa

Por Rui Barbosa Batista

A menos de duas horas de voo, há um país que premeia quem enfrenta preconceitos religiosos e de segurança. E recompensa quem foge do turismo de massas. Muito Património Mundial UNESCO. História milenar. Arquitectura sublime. Gastronomia surpreendente. Preços convidativos. E gente que nos faz sentir verdadeiramente em casa.

Estamos preparados para sair na nossa primeira manhã em Argel, mas Nádia logo nos trava: “Então, não vão tomar o pequeno-almoço?”. Na verdade, tínhamos prescindido desta modalidade no Airbnb, pois desejávamos experienciar essa sensação de começar o dia nas ruas da capital. São as vizinhas da nossa anfitriã que não deixam. Diariamente, mandam bolos, compotas, pão ou qualquer outro mimo. Nádia não está sozinha na “responsabilidade” de fazer com que os seus primeiros hóspedes se sintam realmente em família. Como se tal fosse preciso. Saber receber é uma missão de todos. Nada como um país que começa por nos encantar através da bondade e simplicidade das pessoas.

Já nas movimentadas artérias, bastam meia dúzia de passos para mergulharmos numa metafórica Paris histórica e algo apocalíptica. Polvilhada por edifícios brancos com varandas invariavelmente adornadas de toldos azuis. A arquitectura está lá – ou não fosse o país dominado, até 1962, pela França – mas a decadência também. Desde a saída dos gauleses, não houve uma obra de reconstrução. Reabilitação é palavra desconhecida. 

“No dia em que os franceses debandaram, as suas vidas ficaram presas a gestos do quotidiano que revelam a pressa em fugir”, conta-nos Nádia. “Um pouco por todo o lado, sobram exemplos de que a saída não foi planeada. Refeições inacabadas. Pijamas dobrados em cima da cama. Jogos de cartas suspensos. Deveres da escola a meio… Mil e uma coisas do nosso dia-a-dia abruptamente interrompidas, por uma urgência que mudou o país”, acrescenta a nossa anfitriã, num dos serões intemporais nos quais nos vai falando da alma da Argélia.

Nesse distante 5 de julho de 1962 muito aconteceu, além da independência do país. O fim de um ciclo para milhares pode bem ser o início de outro para outros tantos. Na casbah, a cidade velha amuralhada, sem idade, nasceu uma bebé que simboliza a revolução. E que 54 anos depois está diante de nós, narrando-nos a sua Argélia ao sabor de delongado chá. Aquela à qual regressou há três anos e que não pretende abandonar até ao fim dos seus dias. A mesma que a prende às raízes, quando o marido está em missão diplomática francesa no Afeganistão.

As entranhas de Argel

A curiosidade é mesmo a melhor forma de conhecer qualquer destino, este em particular. Uma discreta indiscrição que o entusiasmo muitas vezes faz derivar para incauta intromissão. Toda a porta aberta é uma oportunidade de encantamento. Cada edifício abraçado pela decadência, um mundo surpreendente. Estátuas. Pinturas. Azulejos. Frescos. Pátios. Varandas… Um autêntico museu nas entranhas de Argel. Recompensadora a ousadia para com portas entreabertas. Ou a confirmação de que estas estão, efectivamente, fechadas.

Numa das múltiplas vezes em que somos guiados pelo deslumbre, atingimos um terraço. O cimo do prédio tem construção clandestina. A mesma que polvilha todos os prédios em redor. “Quando, nos anos 1990, o terrorismo dilacerou o país, houve um grande êxodo das zonas rurais para Argel, em busca de protecção, maior segurança. A cidade já estava lotada. Piorou. Houve que improvisar e assim Argel ganhou uma nova característica”, relata-nos Nádia. Quando os franceses abalaram, nos idos anos 1960, as habitações já tinham sido tomadas por argelinos. Invasão validada há uns tempos quando o governo exigiu um valor, “simbólico”, para que os títulos de propriedade se tornassem efectivos, legais.

--%>