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    Júlia Côta,artesão do figurado Paulo Pimenta
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  • Telmo Macedo, o mais novo da família de artesãos barcelenses
    Telmo Macedo, o mais novo da família de artesãos barcelenses Paulo Pimenta
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    João e Fernando Cunha, artesãos do cobre Paulo Pimenta
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Os artesãos sem moldes e outras histórias de uma cidade à conquista da UNESCO

Por Mariana Correia Pinto

Está na corrida à Rede de Cidades Criativas da UNESCO no domínio do artesanato e arte popular. Em Barcelos, há cerca de 150 artesãos — alguns deles jovens em busca de uma nova vida para a tradição. Um roteiro entre muitos possíveis.

Quando, há umas semanas, passou por Lisboa para participar em mais uma feira de artesanato, Júlia Côta arreliou-se com a confusão à volta dela. Queriam dar-lhe beijos, uma palavrinha, ouvir falar a conhecida ceramista de Barcelos. E ela a estranhar o rebuliço: “Vocês vão-me desculpar, mas eu não sou o Cristiano Ronaldo”, disse-lhes. E, do outro lado, a justificação, como quem pede desculpa: tinham-na visto na televisão e ficaram encantados por ser tão genuína. “Eu nem sabia o que era genuína”, conta Júlia, brincos dourados, avental coberto de tinta, genica a contrariar o ano de nascimento.

Júlia Côta não é espectáculo de televisão. Debaixo dos holofotes é o mesmo que se vê fora deles, é aquilo que diz — “E eu só digo o que me vai aqui”, jura, enquanto leva uma mão ao lado esquerdo do peito. Não sabe ler. Das letras consegue desenhar apenas as iniciais do seu nome, com as quais assina as peças que saem da sua casa-atelier em Manhente, freguesia de Barcelos. Na sala de entrada da moradia, numa vitrina de dimensões generosas que um dia um senhor lhe ofereceu, há diabos e diabas, músicos, mochos, juntas de bois, as suas “lindas minhotas”. Gosta de todos. Mas pelas suas bonecas tem um carinho especial. São mulheres de mão na anca, olhar vivo de quem parece capaz de enfrentar o mundo inteiro, toda a palete de cores vestida, mulheres anti-regras e etiquetas, todas elas essência. Como Júlia.

É fácil chegar à casa da barcelense de 81 anos. Uma “placa linda” na Estrada Nacional 205 dá o sinal e, à distancia de uma curva, está a rua baptizada com o nome da artesã, filha de Rosa Côta e neta de Domingos Côto, homem que muitos acreditam ter sido o criador do primeiro galo de Barcelos em barro. Uma viagem pelas artes locais tem passagem obrigatória pelo número 76 daquela via. Mas o roteiro tem dezenas de paragens possíveis — e as oficinas onde se pode comprar directamente aos criadores são quase sempre as casas deles.

Pelo concelho, há cerca de 150 artesãos. Na olaria, no figurado, na madeira, no ferro e seus derivados, na cestaria e vime, nos bordados e tecelagem. É com esse património que Barcelos está na corrida à Rede de Cidades Criativas da UNESCO. No dia 31 de Outubro haverá fumo branco — e o optimismo está em alta, até porque a primeira fase já está ultrapassada. Se Barcelos entrar na lista da UNESCO, será a segunda cidade da Europa, a par de Fabriano, em Itália, a conseguir a classificação nesta área. Por lá, conta a vice-presidente da câmara Armandina Saleiro, “o turismo cresceu exponencialmente” — e esse é o desejo por terras minhotas. A autarquia socialista já tem o plano delineado: apostar na valorização de oficinas tradicionais e na geração renovada que tem abraçado a tradição, potenciar o Museu de Olaria e estruturas de incubação na cidade, investir em parcerias internacionais e criar novos postos de trabalho, sobretudo na área do turismo.

Não é um suporte financeiro, o concedido pela UNESCO. Mas “a chancela seria, por si só, um enorme apoio”. E um balão de oxigénio para os artesãos, às contas com uma crise de vendas há pelo menos uma década. A concorrência é local também, mas é sobretudo a que vem de fora que os inquieta. “Até os chineses já fazem galos”, lamenta João da Cunha Ferreira. A porta do seu estabelecimento, no centro da cidade, ainda é aberta todos os dias pelo pai, Fernando Cunha, homem de 85 anos de fisionomia a lembrar o velho Gepeto do Pinóquio. Deixou de trabalhar no cobre há alguns anos, mas não há dia que não passe na loja criada em 1932 pelo seu pai, avô de João. As culpas da crise não são asiáticas, vai dizendo o filho e concordando o pai. Vivem pela cidade, a morrer solteiras. Mas isso agora não interessa nada: “Já não há nada a fazer, passemos à frente.”

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