Fugas - Vinhos

  • Ana Banha
  • Manoel Beato, escanção do Fasano, Rio e São Paulo
    Manoel Beato, escanção do Fasano, Rio e São Paulo
  • Pedro Nunes, São Gião, Guimarães
    Pedro Nunes, São Gião, Guimarães Adriano Miranda
  • Tsuyoshi Murakami, São Paulo
    Tsuyoshi Murakami, São Paulo
  • João Rodrigues, Feitoria, Lisboa
    João Rodrigues, Feitoria, Lisboa Enric Vives-Rubio
  • Miguel Castro e Silva, De Castro Flores, Lisboa
    Miguel Castro e Silva, De Castro Flores, Lisboa Nuno Oliveira
  • Rafa Costa e Silva Lasai, Rio de Janeiro
    Rafa Costa e Silva Lasai, Rio de Janeiro DR

Quando os chefs escolhem os vinhos

Por Alexandra Prado Coelho, José Augusto Moreira e Miguel Pires

Pedimos a três chefs em Portugal, a dois no Brasil e a um escanção para escolherem três vinhos portugueses que os tenham impressionado e que os inspirem no trabalho que fazem nos seus restaurantes. As descobertas vínicas de Tsuyoshi Murakami, Manoel Beato, Rafa Costa e Silva, João Rodrigues, Pedro Nunes e Miguel Castro e Silva.

Encontrar o vinho perfeito para uma refeição, criar um prato a partir de um vinho, conjugar notas de gosto, evitar que um anule o outro – habituámo-nos a ouvir falar de todas estas coisas nos bons restaurantes, vimos serem-nos propostos menus em que cada prato, da entrada à sobremesa, é conjugado com um vinho diferente, aprendemos a pôr em causa princípios que pareciam sagrados como o de que os vinhos brancos são para o peixe e os tintos para as carnes. Mas tudo isto é muito recente.

Antigamente esta “ciência” de casar vinhos com comida não existia. Geralmente os pratos regionais eram acompanhados com vinhos da respectiva região, e ponto final. Mas à medida que fomos aprofundando esta arte da conjugação fomos descobrindo nuances e subtilezas que se revelaram fascinantes. Da ideia básica de que tem que existir um equilíbrio entre a potência de um vinho e a de um prato, evoluiu-se para outros níveis de análise. O papel dos taninos é considerado muito importante. Os taninos, que estão sobretudo na pele e nas sementes das uvas, provocam uma sensação de adstringência na boca porque reagem às proteínas. Se um alimento tiver muitas proteínas, um vinho com muitos taninos pode funcionar bem, mas se não tiver, os taninos interagem com as proteínas da língua, e criam a tal sensação de secura e adstringência. E isto é algo que pode interferir com o prazer de uma refeição, por muito boa que ela seja, afectando, portanto, o trabalho de um chef.

Daí que a figura do escanção nos restaurantes tenha vindo a ganhar importância, porque é ele quem melhor pode aconselhar o vinho certo para cada prato. Além disso, é muitas vezes com ele que os chefs trabalham para elaborar novos pratos – alguns dos quais nascem mesmo a partir do desafio criado pelas notas de um vinho.

Um caso exemplar desta colaboração entre quem está mais próximo dos vinhos e quem está mais próximo da comida é o El Celler de Can Roca, o restaurante em Girona, Espanha, dos três irmãos Roca, Joan, Jordi e Josep, que actualmente ocupa o segundo lugar na lista dos melhores restaurantes do mundo (The World’s 50 Best Restaurants).

No Celler, as criações são dos três irmãos, mas cada um tem uma área de especialização, e quem mais se ocupa dos vinhos é Josep. Um dos pratos exemplares do trio é o porco ibérico com Riesling, no qual trabalharam para que os vários elementos reproduzissem de alguma forma os amoras do vinho, das trufas à beterraba, da manga ao alho. Uma complexa articulação de sabores que nasce das notas aromáticas de um vinho.

Por outro lado, é também cada vez mais habitual haver chefs a trabalhar com enólogos para criar vinhos com a sua assinatura.

Foi por estas razões que a FUGAS decidiu desafiar cinco chefs e um sommelier, em Portugal e no Brasil, a escolherem cada um três vinhos portugueses da sua eleição. Em Portugal, o convite foi feito a João Rodrigues, do Feitoria, em Lisboa, Pedro Nunes do São Gião em Guimarães, e Miguel Castro e Silva, do De Castro Flores, em Lisboa.

No Brasil, o desafio foi lançado a Tsuyoshi Murakami, o chef japonês/brasileiro do Kinoshita, em São Paulo; a Rafa Costa e Silva, que acaba de abrir o restaurante de que todos falam no Rio de Janeiro, o Lasai; e ainda ao escanção Maonel Beato do prestigiado Fasano. As escolhas são variadas e revelam a forte relação dos chefsportugueses com os vinhos nacionais e o conhecimento dos vinhos portugueses que existe entre os grandes chefs brasileiros, que em alguns casos os trabalham nas suas cozinhas, conjugando-os com os ingredientes brasileiros, e que os vão conhecendo cada vez melhor à medida que visitam Portugal e conhecem novas regiões e novos produtores, e à medida também que os vinhos portugueses vão sendo mais divulgados no Brasil.

Tsuyoshi Murakami - Kinoshita, São Paulo
Faz uns bons anos que o Kinoshita deixou o emblemático e popular bairro japonês da Liberdade, em São Paulo, para se instalar numa luxuosa e elegante vivenda da cidade desenhada pelo conhecido arquitecto Naoki Otake, na Vila Nova da Conceição. Carioca, nascido no Japão e adoptado por São Paulo, Tsuyoshi Murakami é a alma e o rosto do Kinoshita, um dos mais prestigiados e exclusivos restaurantes paulistanos. As criações de Murakami, ao estilo kappo cuisine – onde existe uma interacção entre o chefe e o comensal -, fazem a ponte entre o clássico e o contemporâneo, com espaço para a integração de elementos de outras proveniências, nomeadamente do Brasil. De igual modo, os vinhos entram na mesa do Kinoshita com a mesma naturalidade que um sake ou um chá verde. Murakami, que visitou Portugal várias vezes nos últimos anos, tem tido a oportunidade de conhecer uma boa parte dos melhores vinhos portugueses. Contudo, quando lhe lançámos este desafio, Mura, como é conhecido, centrou-se num único produtor: a Niepoort. Desta casa duriense, o chefe brasileiro começou por mostrar o seu fascínio pelo Navazos, um branco da casta palomino fino produzido em Jerez de La Fronteira, Espanha, em conjunto com o produtor local, Equipo Navazos. Murakami considera-o “inesquecível. Seco com elegância entre a vida e a morte. Subtilmente oxidado!”. Contudo, ainda que que fosse um vinho com curadoria portuguesa, o Navazos é espanhol pelo que reiterámos o pedido para que seleccionasse 3 vinhos lusos. A resposta veio rápida com o chefe a apontar um branco e dois tintos. O primeiro, foi o Redoma Reserva, um branco. “Intenso e profundo, com a alma do Charme”, um dos tintos que destacou de seguida e que descreve como sendo “charmoso, como o próprio nome”. Este vinho, bem como a sua terceira escolha, o Batuta, já foram conjugados com pratos seus e, segundo o próprio, “equilibraram as proteínas”. Para Mura, não há dúvidas: “são vinhos de muita personalidade e totalmente gastronómicos. Mudaram a minha vida”. M.P.
Restaurante Kinoshita. Rua Jacques Félix 405, Moema / Ibirapuera, São Paulo. Tel: (11) 3849-6940

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