O bacalhau é peixe. Não, o bacalhau é “carne”. Num país onde há dezenas de formas de confeccionar o peixe que se converteu na alma da gastronomias nacional, nada é fácil e seria ingenuidade esperar que a escolha do melhor vinho para o acompanhar fosse simples. Na sua versão mais ajustada à estação que se avizinha, estamos a falar da versão clássica do bacalhau cozido, acompanhado com batata cozida, bom azeite e couve penca – ou grelos ou até outra couve -, e de imediato temos de reconhecer que, na mesa, está um prato que não é propriamente um exemplo de intensidade para o palato, embora a patine de gordura que cria na boca exija vinhos capazes de a penetrar. Mas, colocada a equação nos seus temos mais básicos, que vinho escolher? Um branco ou um tinto? Um branco com madeira ou mais baseado na juventude e na fruta? Um tinto delicado e polido ou um exemplar mais raçudo, com mais tanino e fulgor aromático?
Por norma e tradição, o bacalhau é para muita gente, talvez a maioria, um peixe que recomenda tintos. O seu corpo untuoso ou a exigência do sal implicam um vinho estruturado, mais quente e menos frutado. Mas a legião dos fiéis que defendem o recurso ao branco. Afinal, o paladar do bacalhau recomenda um vinho mais fresco e capaz de aliviar os sentidos da sua assertividade na boca. Onde ficamos? Algures entre as duas constatações, ou para os militantes, entre as duas verdades há possibilidades de escolha que, dependendo da subjectividade dos gostos de cada um (a única condição inquestionável em tudo o que diz respeito aos vinhos), fazem sentido. Mas para isso, temos de procurar o estilo de branco ou de tinto que melhor se ajusta ao problema.
Em primeiro lugar, e quanto aos tintos, convém ter em consideração que o bacalhau com azeite e batata não é propriamente uma feijoada, uma carne vermelha grelhada (tipo picanha) ou um assado de porco. Concordemos que é, afinal, um prato de sabores mais contidos, delicados e sofisticados. Logo, é de bom tom procurar um vinho tinto que se harmonize bem com estes predicados. Ou seja, é conveniente excluir das escolhas vinhos tintos com tanino vigoroso, seco ou vegetal, daqueles que pela natureza ou pela juventude nos causam alguma adstringência na boca. E, da mesma forma, não é boa ideia optar por um vinho jovem e muito extraído – com grande volume de boca, fruta intensa e com uma agressividade própria dos vinhos novos e obedientes a um uma enologia que privilegia o impacte à subtileza.
Para evitar erros, é boa ideia ir à garrafeira e tentar encontrar um vinho tinto já com alguns anos de envelhecimento. Aí entre 2005 e 2010, se tivermos em consideração um Douro ou um Dão, de preferência mais antigos se for um bairradino com a têmpera da Baga. Mas, se não tiver garrafeira, não desista. No mercado há vinhos bem mais recentes e que ficam muito bem na mesa do bacalhau. Não faltam Alentejanos jovens e mais vetustos, um ou outro vinho de Lisboa ou até a nova geração de transmontanos que se começam impor pela sua enorme frescura e vocação gastronómica – ou outros assim não tão jovens, como o Vale Pradinhos, cujas edições de 2011 e 2012 ainda se encontram no mercado e se ajustam muito bem à ocasião. O que se deve ter essencialmente em consideração é a noção de que, para a grande noite do bacalhau, não é boa ideia escolher o mesmo tinto que se escolheria para o assado ou o grelhado do costume.