Fevereiro. Três dias pela Borgonha, sem roteiro, nem visitas marcadas, apenas movidos pela vontade de sentir o pulsar de uma das mais extraordinárias regiões vitícolas do mundo, de conhecer as vinhas que fazem a lenda, as aldeias que transportam nomes de vinhos famosos, de pisar o solo que hierarquiza um grand cru, um premiere cru ou um village. Uma viagem fora de época, com as videiras ainda hibernadas e os vinhos da última colheita ainda imberbes, mas sem muitos turistas e só com uns quantos produtores a ultimar as podas e a fazer as primeiras lavras. Fazia frio e apenas uns pequenos rolos de fumo das braseiras que os podadores arrastam consigo desmentiam a ideia de uma paisagem petrificada, em descanso tão etéreo como os grandes tintos e brancos que ali nascem.
Beaune. Começámos em Beaune, a capital do vinho da Borgonha, belíssima cidadezinha medieval, com os seus típicos coruchéus a encimarem telhados muito inclinados, ruas estreias e esguias e um sem número de bares, restaurantes e garrafeiras a tentarem-nos a cada esquina. A grande Borgonha engloba a Côte Chalonnaise, Mâconnais, Chablis e Côte d`Or. Beaune situa-se mais ou menos no centro da Côte d`Or, a encosta mais cobiçada, cara e distinta da região.
Traduzida à letra, Côte d`Or seria “Encosta d`Ouro”. Na verdade, é apenas uma abreviatura de Côte d`Orient. Trata-se, portanto da encosta oriental da Borgonha, uma faixa com cerca de 60 quilómetros de comprimento e um a dois quilómetros de largura, no máximo. A Côte d`Or divide-se, por sua vez, em duas encostas: uma, a sul, a Côte de Baune, que engloba os lugares sagrados dos grandes brancos de Chardonnay da Borgonha (Corton-Charlemagne, Mersault, Puligny-Montrachet, Chassagne-Montrachet); e a outra, a norte, a Côte de Nuits, onde se situam as terras dos melhores tintos da região (Nuits-St.Georges, Vosne Romanée, Vougeot, Chambole-Musigny, Gevrey-Chambertim), a terra prometida do Pinot Noir.
A região dos terroirs
Fica tudo muito perto e bem delimitado e em dois dias é possível formar uma ideia geral da Côte d`Or, da sua orografia (uma cadeia de montes calcários que se vão derramando suavemente numa imensa planície), das vinhas muito retalhadas e muradas, das aldeias e vilas que parecem saídas da Idade Média. Mas perceber as nuances que distinguem umas vinhas das outras, compreender o sistema de classificação dos vinhos e saber o que vale mesmo a pena beber já é muito mais difícil. “Borgonha, pequena região irritante, cara e complicada, que ocasionalmente oferece o paraíso numa garrafa”, sintetizou Jancis Robinson, a crítica de vinhos inglesa. Em apenas 60 quilómetros da Côte d`Or, existem cerca de de 60 apellations e mais de 1000 terroirs diferentes e reconhecidos desde há muito tempo, os climats, como lhes chamam na Borgonha, hoje consagrados Património Mundial. Um climat é uma parcela de qualidade superior, normalmente pequena, que carrega um nome e uma história seculares e com características particulares (subsolo, solo, altitude, exposição, influência dos ventos, do gelo, do sol, das águas, etc.) que a distinguem das outras.