Fugas - restaurantes e bares

Mugaritz, uma cozinha erudita e difícil

Por David Lopes Ramos

Este jantar no famoso restaurante basco não foi uma festa. Porque dificilmente uma cozinha tão erudita suscita adesões entusiasmadas. Esta sala sofisticada é sobretudo muito desafiante para oficiais do mesmo ofício. Um chefe de cozinha que vá comer à casa de Luis Aduriz sente-se desafiado a descobrir como é que ele faz as coisas.

Há restaurantes difíceis. Difíceis de se lá chegar, por se situarem fora de grandes centros. Difíceis pela cozinha que praticam, muito conceptualizada, intelectualizada, erudita, num ponto ou noutro pernóstica. Difíceis por as suas propostas culinárias se afastarem das referências que nos são familiares. O talento e a genialidade de alguns chefes de cozinha conduzem-nos a caminhos difíceis de seguir por quem entenda que a comida deve ter como preocupação fundamental tratar-nos do corpo como prioridade máxima.

Ora, algumas das actuais tendências culinárias parece terem passado tal objectivo para plano secundário. Um jantar, no dia 14 de Maio, no Mugaritz, do chefe Andoni Luis Aduriz, duas estrelas Michelin, 4º lugar na lista dos “50 melhores restaurantes do mundo” da revista britânica “Restaurant”, suscitou-me essas e outras questões.

Neste restaurante de 40 lugares ou de 185, neste caso só com menu previamente estabelecido, localizado numa aldeia que não fica muito longe de Donostia/San Sebastian, com um fantástico jardim de ervas aromáticas e um imponente carvalho, entre outras árvores, quase tudo nos surpreende e nos desafia no plano culinário. Percebe-se que o espírito vanguardista, culto e inquieto de Luis Aduriz está actualmente sobretudo fascinado pelos legumes.

Dos dois menus disponíveis, o “sustraiak” (8 itens, 95 euros, mais 7% de IVA) e o “naturan” (11 itens, 125 euros, mais 7% de IVA), ambos sem bebidas, escolheu-se este último por sugestão do chefe de sala, que teve a gentileza de lhe fazer mais três acrescentos, por integrar o grupo o chefe de cozinha português José Avilez, do Tavares, responsável pela marcação da mesa. Vamos às provas. O começo, delicado e doce, foi com os pequenos, verdes e estaladiços grãos de ervilhas “de temporada”; seguiu-se “un ensayo sobre las ensaladas”, cujo foi coração de alface tépida, “embebido em salmoura de baunilha temperado com vinagre balsâmico e pele de leite”, uma curiosidade sem grande relevância; depois, um belo achado culinário, simples e saboroso: “alho porro tenro assado em brasas de poda de videira banhado com um caldo de moluscos. Complementos cítricos”.

Seguiu-se uma imitação de “pequenas mozzarelas”, uns nhoquis amanteigados de queijo Idiazabal em caldo de carne salgada de porco ibérico, de rusticidade marcada. De seguida, aquilo que me pareceu o maior equívoco do menu: requeijão de leite de ovelha temperado com folhas queimadas de feto, abóbora glaceada e xarope sem doçura. Não percebi nem o cozinhado nem a sua função no conjunto.

Chegaram então os pratos mais sérios da degustação: mistura de cebolinhas tenras assadas, tutano cozido e ervas aromáticas frescas, perfumado com lâminas de cogumelos silvestres crus; escalope de foie gras de pato assado no carvão acompanhado pelo ligeiro amargo das favas frescas, resina de “masthia” (árvore da ilha grega de Chios) e folhas de sicaide glacial, cozinhado exótico; salmonete sem espinhas e salteado, num guisado de carnes de porco ibérico e verduras ligado com os seus fígados, pode soar estranho, mas é muito bom; peça de vitela assada e perfumada entre brasas de poda de videira, filamentos de tomilho e corantes naturais, mais cinzas, sais e rábanos crocantes.

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