São Pedro de Alva, Penacova: Uma azenha centenária ao pé do rio
Ao pé do rio Alva, há um moinho com "mais de 160 anos" que ainda funciona. Pelo menos aos fins-de-semana, um dos proprietários, Américo Dinis, faz questão de ir lá pôr a roda a girar e a mó a desfazer os cereais. Este moinho de xisto, que o moleiro de 59 anos crê ser "o único a funcionar da foz do Alva até à Ponte da Mucela", ergue-se na margem da praia fluvial do Vimieiro, em São Pedro da Alva, Penacova.
Qualquer pessoa pode visitar o moinho de água, e não paga nada por isso. Só é preciso que Américo Dinis lá esteja. Se assim for, abrirá com todo o gosto a porta para mostrar o interior a todos os curiosos que se interessem pelas histórias que guarda nas paredes de xisto, já várias vezes fustigadas pelas cheias do rio. Apesar de por dentro estar como estava há um século - as mós são as mesmas que existiam no tempo dos pais de Américo Dinis -, a roda, o eixo e o telhado foram restaurados.
Este moinho centenário tem uma roda vertical, erguida na parte da fachada virada para o rio. Ao lado, existe uma roda ainda maior, mas não pertence ao moinho. Antigamente servia para regar as terras. Ainda gira, mas já não cumpre a função que lhe coube em tempos.
Dentro do moinho, objectos antigos fazem-nos viajar no tempo. Mas, apesar do ar gasto, muitos são ainda usados por Américo Dinis. É numa daquelas balanças antigas com os pesos ferrugentos com que o moleiro faz as contas à farinha que produz.
Américo Dinis é, em conjunto com o cunhado, proprietário do moinho que já passou gerações na família. Hoje é ele quem entende do ofício. É ele quem vai para lá todas as semanas, pôr o engenho a funcionar. Tem uma das três casas particulares que existem na praia fluvial. Para além delas, há apenas um restaurante, o próprio moinho, o rio e muitas árvores a circundar o espaço, onde quase só se ouve o correr das águas. Todas as semanas, Américo Dinis sai de Coimbra, mete-se a caminho e lá vai moer cereais que, depois, podem ser transformados em pão, em broa ou simplesmente servir para alimentar "as galinhas".
"Antigamente moía todos os dias", recorda, enquanto põe o milho na moega de madeira. À medida que a farinha cai no tabuleiro, vai explicando que a mó que actualmente funciona mói milho e trigo. A que está ao lado, parada e adormecida por estar a precisar de "reparação", só mói trigo.
O moleiro ajusta agora a mó de forma a que, em vez de farinha, caia no tabuleiro milho partido. "É só regular aqui", explica, com o orgulho que às vezes os pequenos têm quando mostram o brinquedo preferido. No Verão, com a praia fluvial cheia, os curiosos que querem espreitar o moinho por dentro são muitos. Américo Dinis não leva nada pelas visitas. Para ele, isto é um gosto. [Maria João Lopes]
Visitas: Américo Dinis, tel.: 938247880
Moinho Nascente Siemens, Amadora: O velho mastro regressou a casa
Quando, em 1992, Jorge Miranda se lançou na tarefa de recuperar os dois moinhos de vento localizados no complexo da Siemens, na zona industrial da Venteira, Amadora, utilizou num deles, o Nascente, um mastro recuperado de uma ruína na zona de Negrais. Descobriu-se depois que a enorme haste de madeira estava, afinal, a regressar a casa, porque saíra daquele mesmo subúrbio de Lisboa umas boas décadas antes. Nisto dos moinhos, nem só as pás andam à roda: a história também é circular.
O mastro, a peça central do moinho, é de uma madeira exótica (macacaúba) e cara, muito resistente. Mas não ao fogo... Quando um raio atingiu o moinho onde estava instalado, a população apressou-se a apagar as chamas e a afagar a madeira de forma a devolver-lhe o aspecto saudável. E assim se salvou a parte mais valiosa do engenho.
Para um moinho de vento, ser atingido por um raio não era um azar, era uma probabilidade estatística. Devido à sua forma cónica, com projecções em forma de mastro, e à localização em sítios altos e expostos - para melhor "caçar" o vento -, os moinhos atraíam as forças mais destrutivas das trovoadas.
O povo, que os via como o sítio onde as sementes são desmanchadas, não deixava que as mulheres grávidas passassem à sua porta e quando isso acontecia com algum animal de gado doméstico havia que afastar o mau-olhado com rezas e sal. Entre os fenómenos físicos do clima e as crenças populares, a verdade é que estes edifícios muito especiais sempre se viram rodeados de uma aura de mistério.
Para se defenderem, os proprietários pintavam o terço inferior das paredes de uma cor que afastasse o Diabo - de acordo com os corantes disponíveis, eles são vermelho-óxido-de-ferro na região de Lisboa, azul-anil no Sul e amarelo-ocre a Norte. Esculpiam cruzes nos umbrais das portas e talhavam estrelas de David no forro do tecto (também era hábito as pessoas tatuarem-se com esses sinais).
Na região de Lisboa, os ventos constantes são de Norte/Noroeste e é, normalmente, nesse sentido que o mastro aponta as velas. Do lado contrário, invariavelmente, está a porta do engenho, uma forma de evitar que a passagem das velas complicasse o acesso. É claro que às vezes o vento sopra do quadrante Sul, mas esse é um vento instável, normalmente violento e pouco favorável ao trabalho lento, mas persistente, das mós.
Aqui, na Siemens, a mó pesa cerca de 300kg e a base é um colosso com mais do dobro desse peso. Mas ambas foram colocadas lá em cima à força de braços, usando os métodos tradicionais: cordas, roldanas e paciência. "Só assim é que tem graça", comenta Jorge Miranda, que destaca ainda o trabalho de mestre de construção de uma nova entrosga, a enorme roda dentada que transmite ao carreto (e este às mós) o movimento gerado pelas pás do moinho.
É um mecanismo fascinante, um motor cuja potência pode ser calculada em cerca de 20 cavalos e que tem no vento o seu combustível. Cá fora, as enormes hastes formam uma circunferência com 12 metros de diâmetro, equipada com quatro velas que mãos hábeis conseguem soltar e armar em dois ou três minutos. E assim se viaja no tempo, até ao tempo em que, em 1772, os moleiros Tomé Francisco e Manuel Roiz produziram "30 contos de réis" de farinha. [Luís Francisco]
Visitas: Etnoideia, www.etnoideia.pt | Tel.: 214159202; Jorge Miranda: 963979018 ou 965861567.