Fugas - viagens

Nelson Garrido

O regresso dos moinhos

Por Luís Francisco, Patrícia Carvalho, Maria João Lopes

Vêmo-los como símbolos românticos do passado, por oposição ao pragmatismo funcional do presente. Mas os moinhos são engenharia humana do mais alto nível e as novas realidades energéticas colocam-nos, outra vez, na vanguarda da tecnologia

E se os últimos 200 anos fossem apenas uma anomalia na longa história da relação do homem com as máquinas? Se o período em que queimámos combustíveis fósseis representasse apenas um intervalo na regra de séculos do aproveitamento das energias renováveis? Vendo as coisas por esse prisma, os moinhos não são apenas testemunhos do passado. São oportunidades de futuro.

A tese é defendida por Jorge Miranda, antropólogo de formação, apaixonado pela história da engenharia e empresário por visão. Membro da direcção da Sociedade Internacional de Molinologia (TIMS, na sigla inglesa) e sócio-fundador da empresa Etnoideia, ele é testemunha activa da reactivação da dinâmica de conservação dos moinhos. "Mas sempre na perspectiva do seu uso. Não a reconstrução romântica, que gera gastos e não tem possibilidades de rentabilização. Reactiva-se para efeitos úteis, ligados à museologia, ao turismo rural, às energias renováveis..."

É o segundo golpe nas ideias feitas. Depois de nos apresentar os moinhos como ponte tecnológica entre o passado e o futuro, Jorge Miranda põe de parte a imagem bucólica do moinho como símbolo do viver no campo. Não. Os moinhos são para produzir riqueza e é por isso que a sua empresa nunca apresenta projectos de recuperação sem os enquadrar numa unidade de negócio.

"Os moinhos são brinquedos caros. Não se pode investir neles sem ter retorno... É preciso que eles ajudem a pagar as nossas reformas", enuncia, explicando como a paixão pela tecnologia do passado o levou a alargar os horizontes da sua actividade comercial. "À medida que ia dizendo às pessoas, empresas e autarquias como se podia aproveitar os moinhos, elas começaram a entregar-me os projectos de recuperação."

O resultado é uma actividade já com décadas. Começou em 1981, recuperando dois moinhos da Siemens, na região de Lisboa, e alargou-se a todo o país. Na sua qualidade de factores distintivos da paisagem, os moinhos podem servir para múltiplos fins, turísticos e "industriais", mas nem sempre as modas andaram de braço dado com a lógica. "Recuperar moinhos para habitação já foi comum, mas não é prático. As casas não ficam grande coisa...", comenta Jorge Miranda.

Ecologia e tradição

Para além de que se perde a essência da coisa. De vento ou de maré, de água ou movidos a força animal, os mecanismos que permitem aos moinhos funcionar são o testemunho de séculos de progresso tecnológico, de engenharia humana aplicada. "Olhar para o moinho como aquela coisa do saloio é perder o que realmente interessa. É preciso vê-los como o que permitia transformar energia em trabalho, o motor, nos tempos em que não queimávamos combustíveis fósseis."

Nas sociedades actuais, as preocupações ecológicas voltaram a trazer à tona virtudes que se julgavam enterradas nos museus e nas bibliotecas. E essa tendência "verde" alia-se a outra pulsão dos stressados e tantas vezes desenraizados habitantes das grandes cidades: recuperar os valores tradicionais. Encontrar formas de o fazer de forma equilibrada pode ser o segredo do negócio. "As pessoas suspiram pelo velho chouriço artesanal, mas não querem comê-lo todo. Querem duas ou três fatias servidas num prato gourmet..."

Passando isto para o mundo dos moinhos, o que nós queremos é ver um belo moinho a funcionar, integrado numa paisagem bem ordenada e onde passeamos com ponto de partida e de chegada, de preferência com "reabastecimentos" pelo caminho. "Quando procuramos o campo, não é pela natureza. É para nos reencontrarmos a nós próprios", diz Jorge Miranda.

Ou seja, os moinhos estão no ponto de encontro entre a excelência da tradição e aquela espécie de desespero da sustentabilidade com que estamos a aprender a viver. A boa notícia é que eles estão por aí. Em Portugal, os de água distribuíam-se por todo o território de forma semelhante (Beja era o distrito com menos, por razões óbvias), enquanto os de vento se concentravam em Lisboa, Leiria e Coimbra. Em 1962 ainda havia cerca de 1100 a funcionar no distrito de Lisboa.

Números que justificam outro facto pouco conhecido: a TIMS nasceu em Portugal. Em 1965. A sociedade e o termo - molinologia - que classifica a actividade de estudo e protecção dos moinhos foram criados por Santos Simões, responsável pela requalificação dos moinhos de Santana, no bairro lisboeta do Caramão da Ajuda. Mas, desaparecido o seu mentor, os portugueses esqueceram a causa. Até surgir Jorge Miranda, em 1997. "A primeira coisa que me disseram foi: "Português?! Até que enfim!" E depois explicaram-me a história toda."

No resto da Europa, estes mecanismos tornados obsoletos pelo paradigma energético que lançou a Revolução Industrial acabaram por ser vítimas das duas guerras mundiais. Mas estas passaram ao lado do nosso território. Temos, por isso, muitos à espera de serem resgatados com os olhos no futuro. E admirados. No Dia Nacional dos Moinhos (7 de Abril), e no fim-de-semana seguinte, cerca de 150 estarão de portas abertas. Descubra um perto de si.

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