Fugas - viagens

Nelson Garrido

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O regresso dos moinhos

 

Lagar do Palácio do Marquês, Oeiras: Fazer azeite como no século XVIII

Diz-se que o palácio de Queluz é uma imitação de Versalhes e que o palácio do Marquês de Pombal, em Oeiras, é uma cópia em escala menor do de Queluz. Diz-se muita coisa, mas há coisas na residência de um dos políticos mais famosos da nossa história que não têm paralelo com quaisquer outras em Portugal. Vejam-se os lagares, num dos extremos dos jardins: constituíam, no século XVIII, uma verdadeira unidade de produção agrícola. Decorada com mármores de Carrara e bustos de imperadores romanos...

Foi aqui que Jorge Miranda enfrentou um dos grandes desafios da sua carreira: recriar um lagar do tempo do Marquês. O resultado ainda não está acessível ao público (será inaugurado em breve), mas o mínimo que se pode dizer é que ficou impressionante. E é uma justa homenagem à visão do homem que, nestes mesmos jardins, organizou, em 1776, a primeira exposição agrícola e industrial de Portugal.

O moinho propriamente dito que aqui está instalado não será, por uma vez, a vedeta da companhia. Está recuperado e funciona, com a prestimosa ajuda de uma besta de carga que faça rodar o mecanismo instalado dentro de um tanque circular, para onde eram despejadas as azeitonas. As quatro mós colocadas em posição vertical percorrem o fundo em órbitas desencontradas, de forma a cobrirem toda a área disponível. Pequenas peças metálicas desviam os frutos triturados e empurram-nos para debaixo das outras mós, até se formar uma massa homogénea.

Este é um moinho de galgas de tracção animal, ou seja, uma atafona. E está ali porque lhe cabia o papel de antecâmara da verdadeira zona de produção do azeite: as duas gigantescas prensas que se alinham ali ao lado. A madeira branca do moinho não se aplica aqui, nestas compridas lanças de dez metros amarradas, num dos extremos, a pesos com duas toneladas. Aqui brilha o tom de mel do pau-rosa africano.

Originalmente, as madeiras utilizadas eram provenientes do Brasil, mas em tudo o resto foram respeitadas as dimensões e os métodos de trabalho do século XVIII. As lanças foram feitas, não de um único bloco de madeira, mas de um ardiloso puzzle de tábuas encaixadas de forma desencontrada e reforçadas por um exoesqueleto metálico. Uma gigantesca rosca talhada à mão une as duas peças (a lança e o contrapeso) e bastam dois pares de braços para a operar.

Quando a enorme pedra é erguida do chão, o seu peso puxa a lança para baixo e, cinco metros mais à frente, os recipientes porosos colocados sob a prensa recebem uma pressão de sete toneladas. O azeite é espremido e escorre por canais talhados na pedra até às vasilhas de barro onde era recolhido. O primeiro azeite, o virgem, era separado. Depois lavava-se tudo com água a ferver e o trabalho continuava, num ambiente escaldante e pesado - trabalhar num lagar era um verdadeiro inferno.

Lá fora, os canteiros alinhados, os azulejos, as estátuas e as pontes sobre a ribeira do Jamor. Escondida sob o palácio está uma nora, também já recuperada. O Marquês de Pombal, que o povo acusava entre dentes de lhe roubar água, pagou sempre os impostos que devia por ela e mandou construir um engenhoso sistema de transporte do precioso líquido. Curiosamente, com "fugas" estrategicamente colocadas de forma a regar os jardins do palácio... [Luís Francisco]

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