Não foi o primeiro - e é ele próprio que aponta Vasco Calixto como um pioneiro: "o que eu ando a fazer agora, fê-lo ele há 50 anos" - mas foi (é) com certeza o mais mediático. Quando começou a viajar "a sério", curso de gestão completo e alguns meses de trabalho das "9 às 5", teve a sorte de assistir em Portugal ao aparecimento das primeiras secções de viagens na imprensa e de revistas especializadas.
"Percebi que o destino me tinha dado uma oportunidade: vou dez meses à deriva e faço algo que ficará comigo toda a vida, ou atiro-me a esta oportunidade e desenvolvo um certo profissionalismo." Gonçalo Cadilhe optou por "não ir ao sabor da corrente" - "essa oportunidade coadunava-se com a minha maneira de ser, gosto de viajar e de escrever, de acordar todos os dias num país diferente" - e por encontrar uma nova "profissão". "Embora possa parecer muito pomposo e presunçoso", afirma, "viajante profissional continua a ser a melhor designação para o que faço". Afinal, explica, é a viajar que consegue ter "uma profissão ou várias". Cronista e escritor de viagens, guia de expedições - viajante, portanto, provavelmente, o mais conhecido em Portugal, autor de vários best-sellers.
Quando conversámos, estava prestes a (mais uma) partida para as ilhas Molucas com uma expedição da agência Nomad, com a qual trabalha desde 2008. Já lá esteve não sabe "quantas vezes" e este novo regresso está relacionado com a viagem que propôs à agência (Nas ilhas das especiarias com Gonçalo Cadilhe) baseada no seu livro Nos Passos de Magalhães. "Eu vou para lá porque me pagam. Se não, não iria." "Pode parecer um bocado de balde de água fria para quem tem aquela ideia romântica do viajante e, nomeadamente, do Gonçalo Cadilhe como viajante", assume, "mas hoje em dia o que me estimula mais [quando viajo] é o trabalho bem feito". Já houve, reflecte, aquele impulso, "óptimo e extraordinário quando estamos nessa fase da vida", de deixar tudo e ir oito meses onde apetece. Mas nunca o realizou.
Quando começou a viajar já foi com o "peso da responsabilidade de voltar com material fotográfico, apontamentos", mas com "uma diferença fundamental", sublinha. Hoje em dia, vai com tudo definido e marcado com cliente, que pode ser um jornal ou uma televisão ou a agência; há 20 anos, ia "às apalpadelas", que é como quem diz, ia ver o que conseguia e quando regressava ia bater a todas as portas para conseguir colocar as suas ideias. "Tanto era assim, que trabalhava em tudo quanto me aparecia" - a saber: empregado de mesa e de hotel, operário num estaleiro de iates, músico (tudo em Itália) e vindimador (França). Era tudo "muito mais precário, muito mais incógnito", mas "aceitava porque sentia que já estava a construir algo".
Algo para que despertou em 1990, mas que, olhando para trás, percebe que já germinava desde a infância, desde que, aos oito anos, entrou para os escuteiros e descobriu um admirável mundo novo. "Se calhar, se eu disser que a minha primeira grande viagem foi a Cantanhede, as pessoas olham-me de lado": estar cinco dias a acampar com miúdos da sua idade foi, sublinha, mais marcante do que aos 35 anos atravessar o Afeganistão. No entanto, aquela "que seria considerada por qualquer pessoa uma grande viagem" aconteceu no final do curso: à África do Sul do final do apartheid, no início dos anos 90. Com dinheiro que conseguiu juntar ao longo da universidade, esteve sozinho dois meses na sua primeira viagem intercontinental. Não era para ser assim (os outros amigos acabaram por não poder ir) mas percebeu que "viajar sozinho é fantástico" (mais que não seja, porque toda a gente quer ajudar).