"Ela veio convosco" é brincadeira recorrente. Vieram os primeiros nevões "a sério" e se apanhamos algumas estações abertas, outras vemos ainda nos preparativos, a aproveitar a boleia da neve fresca. No meio de alguma apreensão. Afinal, a "ponte da Constituição", no início de Dezembro, costuma representar 10, 20 por cento da temporada, ouvimos nas estações visitadas, e essa foi perdida por quase todas - e há a crise que também se nota na flexibilidade inaudita dos pacotes apresentados pelas estações e nos preços quase intocados relativamente a anos anteriores. É nisso que também se pensa na montanha, enquanto esta se transforma num gigantesco parque de desportos de Inverno que vive entre as pistas e o aprés-ski, entre o bulício e o bucolismo.
Território românico
A nossa porta de entrada catalã é Barcelona, mas o que importa é a porta de entrada nos Pirenéus: a nossa é Erill la Vall, povoação minúscula de pedra, madeira e umas poucas ruas. Passam dois turistas, mochilas nas costas e guias nas mãos, e chega a neve prometida - por enquanto, fiapos ligeiros.
Em volta, os picos nevados, moldura ideal para a fotografia obrigatória do ex-líbris do sítio: a igreja românica de Santa Eulália, torre esguia e pequeno cemitério adjacente. Passamos-lhe ao lado, para entrar no templo, para uma nave reduzida e de simplicidade extrema onde sobressai, no altar, um conjunto a compor uma Descida da Cruz, uma cópia; vemos as figuras cor de madeira, as originais eram pintadas. Não só as imagens eram pintadas, as próprias paredes o eram, explica-nos a guia - o ascetismo românico que chegou até nós é ilusório: o tempo despiu grande parte dos monumentos dos seus murais e estatuária.
Vamos ver alguns exemplares restaurados. Estamos em região privilegiada, ou não fossem os Pirenéus uma espécie de santuário do românico. E Eril la Vall não foi a nossa primeira paragem à toa: aqui encontramos, mesmo ao lado da igreja, o Centro do Românico de Vall de Boí - e este não é um centro qualquer, de um vale qualquer. Vall de Boí, recanto remoto de L'Alta Ribargoça, é um território a abraçar Património Mundial da UNESCO: nove igrejas românicas foram classificadas em 2000. Porque são um "paradigma" da arte românica catalã.
Alinhadas com Santa Eulália estão Sant Climent de Taüll e Sant Joan de Boí - os campanários serviam de torres de comunicação (e de vigilância). As curvas e contracurvas no caminho fazem parecer maior a distância: Sant Climent é a mais relevante das igrejas de Vall de Boí - pelo tamanho (impressiona a sua torre sineira: escadas íngremes unem seis pisos, cada qual com janelas arcadas e vistas deslumbrantes), pela conservação, pela grandeza arquitectónica das suas três naves com abside.
O seu interior revela-nos uma Idade Média mais "real" com a austeridade da pedra coberta de frescos, alguns originais, quase todos cópias - os "verdadeiros" foram retirados das igrejas na campanha de preservação (e "redescobrimento") de 1919 a 1923, quando se percebeu que estavam a ser vendidos, e agora estão em museus -, mas está preenchido com uma ausência, o célebre Cristo Pancreator, considerado uma das obras-primas do românico está no Museu Nacional de Arte da Catalunha.