Já lá vão quase duas horas profanando a neve com pegadas profundas quando tiramos as raquetas num parque de estacionamento com auto-caravanas paradas aos pés de Salardú, restos de muralha a confundirem-se com os típicos muros de pedras da região nesta aldeia rodeada de água. O rio Garona e o rio Unhola circundam-na para depois se encontrarem encapsulando o casario de típico perfil pirenaico, em que os edifícios de pedra, madeira e ardósia se misturam com uns poucos de cores fortes, todos sob telhados inclinados.
Um grand danois passeia, alheio à neve, à porta do café onde o dono, Patxo, e o grupo de amigos fazem horas, já equipados para "atacar" as pistas de Baqueira Beret - as armas preferidas: pranchas de snowboard. Nós bebemos chocolate quente e subimos, com dificuldade, até à igreja de Sant Andréu: montanhas erguem-se acima, a aldeia estende-se colina abaixo; à nossa frente os muros amarelados da igreja surgem manchados, nos seus contrafortes e maciça torre-campanário. De origem românica preservada no exterior, rendeu-se ao gótico no seu interior de forma exuberante: murais cobrem paredes e elegantes abóbadas cruzadas fazendo-nos andar constantemente de cabeça no ar. Baixamo-la na abside, onde o Cristo de Salardú a tudo preside com ar contrito e resignado.
Chegamos a Baqueira Beret, a maior estância dos Pirenéus espanhóis, em pleno nevão: os flocos caem, fofos, constantes. É uma ironia, neva e há um manto de altura bastante considerável ("entre 60 e 100 centímetros", ouviremos o director da estação dizer, em francês, ao telefone), mas não é o suficiente para experimentarmos as pistas da mais famosa estância de esqui espanhola - mais que não seja por ser a eleita da realeza -, que abrirá no dia seguinte.
Hoje a azáfama é quase toda de bastidores: no centro de acolhimento são vendidos forfaits a uns quantos; nas pistas sobem e descem máquinas e especialistas que vão assegurar que a neve está à altura dos pergaminhos - a melhor de Espanha, diz quem sabe. "A neve fez-se esperar", brinca o director, Aureli Bisbe. Até agora, nevou três vezes. As duas primeiras apenas acima dos dois mil metros, aqui, a 1500, já era chuva.
A estação de Baqueira Beret é na realidade Baqueira, Beret e Bonaigua, três áreas distintas mas integradas e ligadas entre si por um número elevado de meios mecânicos. A de Beret, explica Aureli Bisbe, é a melhor para debutantes, a de Bonaigua para "fora de pista" e Baqueira para esquiadores avançados - o que não invalida que cada uma tenha pistas para todos os perfis. Vemos o mapa das pistas e temos uma ideia da imensidão do domínio esquiável, que tem uma área de 1922 hectares (e um desnível de 1010 metros), passando do Vall d'Aran e entrando no Vall d' Àneu, em Pallars Sobirà.
Não vemos muito da estação, confinados que estamos às áreas de recepção, junto à única telecabina da estação, que recentemente alargou os seus serviços, passando a descer até ao complexo residencial do Vale de Ruda, em Baqueira 1500, o núcleo habitacional aos pés da estação. É aqui que se desenvolve parte do afamado aprés-ski de Baqueira Beret, que lhe dá tanta fama quanto a neve. Restaurantes para vários gostos, bares e discotecas compõem uma oferta atractiva neste aglomerado de arquitectura típica mas em versão ampliada (e por vezes estilizada) para albergar prédios e hotéis - Baqueira tem o maior número de hotéis de montanha de luxo dos Pirenéus catalães. Os dois últimos foram inaugurados aqui em Ruda 1500 em 2008 - visitamos um, o Hotel Val de Neu, vale de neve, e pareceu-nos digno de reis.