Dias depois, uma pequena equipa de pessoas punha mãos à obra. Cartas, apresentações, ofícios, protocolos, reuniões. Era preciso falar com autarcas, entidades estatais, empresas, proprietários de terrenos. Pedir autorizações, percorrer os caminhos uma e outra vez para garantir que eram os mais indicados, que davam condições de passagem, que não apresentavam riscos (a ideia era usar percursos que já existiam, mas num ou noutro caso foi preciso melhorá-los - por exemplo, no atravessamento de ribeiros).
"Muitos terrenos junto à costa estão divididos em pequenas parcelas de 20 metros de largura por um quilómetro de comprimento, cada um com o seu proprietário, e por vezes a rota passava por propriedade privada", ilustra Marta Cabral, 36 anos, coordenadora do projecto Rota Vicentina. Chegar a alguns proprietários parecia, nalguns casos, tarefa impossível. Marta, umas vezes, Rudolf, noutros casos, batiam-lhes à porta. Às vezes não estavam. Viviam fora do país. Ninguém sabia bem onde... era preciso saber onde.
Tratados os formalismos, foi preciso colocar as placas direccionais (que vão indicado aos caminhantes quanto falta para chegar ao destino) e os marcos (centenas deles, de madeira, na maior parte dos casos, outras vezes simples riscas de tinta nas rochas - são esses sinais que nos informam se devemos ir em frente, virar à direita ou à esquerda). A Almargem, outra associação sem fins lucrativos, ficou responsável pelo traçado da parte algarvia (sendo esta associação que lidera o projecto da Via Algarviana, outra grande rota pedestre).
Feitas as contas, gastaram-se 540 mil euros neste projecto, entre dinheiro de programas comunitários, Turismo do Alentejo e de cinco autarquias. De fora ficam as muitas horas de trabalho voluntário dos associados.
Marta conta tudo isto enquanto caminha na secção Cercal-São Luís. Sai-se do Cercal pelas dez da manhã. Aos poucos as casas brancas da vila ficam para trás; passa-se a Ermida da Fonte Santa, acena-se ao homem do capacete vermelho que leva um monte de garrafões cheios da água da fonte atados à grelha da sua motoreta e, em pouco tempo, está-se na serra. Pára-se para espreitar uma antiga mina de ferro, para ver as cabras a pastar num monte, para ouvir uma canção - numa roulotte que já foi transformada em casa, com a sua antena de televisão e vasos de flores, há uma mulher que canta e a cantiga ouve-se pelos campos.
Um copo de vinho no paraíso
À hora de almoço, o sol queima e faz-se um desvio - desce-se a Rocha de Água d'Alte. Uma cascata a meio da etapa que, por vezes, está seca, como hoje. Mas vale a pena na mesma descer porque lá em baixo um caminho estreito junto à ribeira está transformado em pista de aterragem e descolagem para dezenas de borboletas-monarcas (enormes, de asas cor de laranja com listas pretas).
Antes, contudo, é hora de piquenique e o "guia" de serviço - Balthasar Trueb, 50 anos, um descontraído luso-suíço (pai suíço e mãe portuguesa), de cabelos grisalhos, abre a mochila. Do seu kit piquenique faz parte uma garrafa de vinho branco fresco. O grupo de caminhantes, hoje constituído essencialmente por jornalistas e operadores turísticos estrangeiros, brinda à sombra de um velho castanheiro. Da próxima vez, do kit piquenique da Fugas fará parte não só o vinho mas também uma almofada insuflável para a sesta.