Ao longo do caminho, ouviremos várias vezes enunciar o receio de que esta costa com tantos recantos secretos, com tantas praias que permanecem vazias mesmo no pico do Verão, seja invadida por turistas. Há uma mistura de sentimentos contraditórios: toda a gente quer que o turismo da região seja sustentável e se desenvolva. Mas ninguém quer perder o sossego. "Não fale muito desta praia lá no jornal, para ver se ela continua vazia!", foi uma frase que ouvimos com alguma frequência.
"Há lugares muitos especiais para quem aqui vive que as pessoas não os querem ver invadidos", reconhece Marta Cabral. Alguns desses lugares são segredos bem guardados que dão especial gozo se forem descobertos à medida que se caminha - o Pego das Pias, entre São Luís e Odemira, onde há muito os habitantes locais vão mergulhar; o canal de irrigação entre Odeceixe e Rogil ("sim, também há levadas no Alentejo", como diz alguém); as muitas praias vazias, com as suas grutas e acessos que parecem impossíveis vistos do alto da falésia... Cada etapa, diz Marta Cabral, tem um ponto alto, "uma pérola" - e há algum secretismo na forma como se fala dessas "pérolas", porque a ideia é que estas sejam descobertas pelos caminhantes e não um chamariz para domingueiros de jipe.
A verdade é que o lançamento oficial da rota foi em Maio e o vídeo promocional já foi visto mais de dez mil vezes. Todos os dias, há uma média de 20 subscrições da newsletter que vai dando conta das notícias da rota, diz Marta Cabral. Mas na prática é cedo para dizer quantos caminhantes se vão pôr a caminho, realmente.
Uma coisa foi confirmada pela Fugas: não é preciso ter grande aptidão física para percorrer etapas de 20 quilómetros por dia - enfim, dói no primeiro dia, uma pomada anti-inflamatória para os músculos das pernas pode ajudar quem passa boa parte do ano sentado a uma secretária, há que dizê-lo. Mas a paisagem ajuda a esquecer o cansaço.
Que mais é preciso? Pouco. Cite-se Marta, quando, à sombra do castanheiro, enumerava as regras da rota: "Ser simpático para as pessoas que encontrar; respeitar a propriedade privada, fechar cancelas e portões se os encontrar fechados, deixá-los abertos se estavam abertos; nada de lixo; não fazer campismo selvagem, por muito apetecíveis que sejam os lugares por onde vai passar." E vão ser, seguramente.
Guia prático
Onde dormir
Cerro da Fontinha
Casas com 150 anos à beira de um lago
Quem passa na estrada não imagina o que está depois deste aglomerado de eucaliptos que refresca a berma: um lago natural para nadar e andar de barco a remos e um conjunto de casa brancas listadas de azul. Quando chegou ao Cerro da Fontinha, em 1999, Miguel Godinho, o proprietário, encontrou-as degradadas e sem telhados - o que não é de estranhar, porque têm mais de 150 anos.
O ribatejano, que tinha estado durante 15 anos a viver no clima tristonho de Inglaterra, tinha escolhido começar de novo, com o sol quente do Alentejo. E fez questão de reconstruir ele próprio cada uma das casas usando os mesmos materiais com que tinham sido construídas originalmente: terra, madeira e pedra (vários pormenores fazem lembrar que a praia fica ali perto, a começar pelos seixos negros nas paredes onde se penduram as toalhas de banho). Reconstruía uma por ano - sala, cozinha, chão de tijoleira, casas de banho de pedra, janelas pequeninas com flores no beiral... Agora, diz a sorrir, está a gozar um pouco o resultado.