Un amore romano
Ditemi, pietre, parlate voi alti palazzo!
Strade, una parola! Genio, non ti risvegli?
Ecco, tutto è animato tra le tue sacre mura,
Eterna Roma; per me solo ancora rimane immoto e silente.
(Goethe, Elegie Romane)
Nesta cidade tudo é uma história. É assim que Woody Allen abre o filme Para Roma com amor, com um polícia sinaleiro, como aquele que quis parar Audrey Hepburn no mesmo local, há mais de 50 anos, num filme chamado Roman Holiday, em frente ao monumento a Vittorio Emanuele II.
Roma vive cheia de histórias, fixadas nas razões que foram materializadas em estátuas maiores do que a vida dos homens que representam; guardadas na falsa bidimensionalidade dos frescos que aqueciam o frio das pedras das múltiplas igrejas; repetidas nas mesas apertadas dos restaurantes que assaltam as ruas e forçam quem passa a repetir a refeição; mentidas nas lendas que se escrevem nos guias, repetidas até se tornarem verdades; imaginadas pelos filmes feitos em cenários de papelão, guardados à chuva de uma Cinecittà nostálgica.
O poeta francês Yves Bonnefoy tinha razão quando escreveu que Roma era “um arquétipo demasiado forte”. Demasiado forte para ser descrito, demasiado intenso para ser vivido. E, por isso, porque Roma não é uma cidade, é uma ideia de império, de comunhão entre a utopia e a aproximação que a realidade lhe fez, como recordava António Mega Ferreira num texto deambulatório com quase dez anos, nela tudo é “estímulo à escrita, tudo é recurso aos sentidos, tudo exalta a criatividade”: “Nenhuma cidade é tão ostensivamente narcísica em relação ao seu passado; mas nenhuma outra, é verdade, se construiu em tão íntima sobreposição de heranças e testemunhos, pedras e memórias, mitos e crenças”.
Por isso, chegamos a Roma com o pedido de Goethe na memória e uma questão de Marivaux rabiscada num caderno que servirá de notas para dias de uma viagem que gostaria de não estar presa ao passado, mesmo que tenha sido o passado a trazer-nos ali: “Nós, a quem o universo agitado desde há muito devia ter transmitido uma experiência tão vasta e tão profunda, que uso fizemos dessa prodigiosa colecção de ideias que, no seu entender, partilhámos por herança?”
A chuva que assola a cidade há horas deixa, estranhamente, as ruas vazias. O taxista que nos leva até ao hotel, consciente de que somos turistas de primeira vez, diz-nos para não nos perdermos. Não nos está a falar das ruas, mas do emaranhado de mistérios que elas guardam. Diz-nos para termos cuidado porque “Roma é como uma mulher que parece uma mãe mas é uma amante”. E ao longo dos dias, o que vamos encontrando, seja na distância que fica entre as imagens que os filmes deixaram, do realismo distópico de Fellini à solidão dos corpos de Visconti e Pasolini, ou na exuberância dos monumentos cujos significados se foram acumulando e contradizendo ao longo do tempo, o que fica, pensamos, quando se torna necessário reagir a Bonnefoy e começar a escrever sobre o que se viu, o que fica, afinal, é aquilo que se imaginou ter-se visto.