Fugas - viagens

  • Adriano Miranda
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Dentro de uma Rússia há sempre outra Rússia

Por Luís J. Santos

De Moscovo a São Petersburgo, navegamos por uma estrada de água de mais de mil quilómetros e mil e uma histórias. Entre cidades monumentais, ilhas-museu, mosteiros e catedrais, uma doce viagem por uma Rússia matrioska.

Ao virar de uma esquina da Praça Vermelha, Estaline, Lenine, Ivan o Terrível e Putin sorriem-nos. Os sovietes afiam o bigode, o velho Ivan controla a cena, o novo czar apõe os óculos de sol. Estaline está, curiosamente, a contar rublos. Lenine pisca-lhe o olho. Isto não deixa de ser estranho, tendo em conta que acabámos de ver a múmia deste último sob beata iluminação no seu santuário negro, o busto do outro no seu túmulo, que já pressentimos a tumba do Terrível na catedral vizinha e já passámos perto da residência do Presidente. Mas este quarteto à nossa frente é, claro, apenas para turista ver. Isto de os apanharmos em momento de descontracção a repartir o dinheiro das fotos com os turistas é um acaso.

“Pareces tal e qual o Putin!”, dizemos ao seu imitador na língua universal possível — o nosso russo é zero, o que será uma chatice ao longo da viagem, e estes actores, tal como grande parte das pessoas que encontraremos ao longo de uma semana e meia de passeio por esta Rússia de água doce, não domina outros idiomas. “Putin” percebe e sorri, vaidoso. Guarda o seu quinhão no bolso e faz-se à foto, musculando o fato. Nos seus óculos espelhados brilha o sol, reflexos da Praça Vermelha, dourados das igrejas e das lojas de marcas de luxo mundiais que nos rodeiam, talvez a velha e também a nova Rússia, tudo misturado.

É esse mote-matrioska que nós — um virgem na Rússia, outro em regresso ao país que visitou na adolescência já lá vão 35 anos — pressentiremos a cada passo: sempre que pensamos ter percebido alguma Rússia, descobrimos dentro outra, depois outra… A navegar num pequeno navio nascido ainda em tempos soviéticos, deslizaremos pelo extraordinário sistema que liga o Volga, o maior rio da Europa, ao Báltico, obra-prima da engenharia que se prolonga por mais de 1100km. Melhorada ao longo de três séculos, a via segue entre rios e canais, eclusas astronómicas, lagos artificias e lagos reais que são mares — vamos até passar pelos dois maiores do continente. Iremos, muito lentamente, dentro do nosso barco, o Andrei Rublev (baptizado em homenagem ao pintor tornado santo responsável, no século XV, pelos ícones ortodoxos tal como os conhecemos), a ver reflexos do mundo russo. Muita água e, a cada dia, uma curta paragem em terra, por cidades e aldeias históricas, ilhas-museu, mosteiros sobre lagos, por esplendor e ruínas, por memórias e sinais dos novos tempos. “Temos orgulho em recriar um pouco da nossa cultura e vida durante estes dias no barco”, dir-me-á Olga, directora deste clássico cruzeiro da Mosturflot, gigante histórica da navegação russa com século e meio de vida. “As pessoas admiram tranquilamente uma Rússia que poucos vêem, damos-lhe música e pratos tradicionais, umas pequenas lições de russo, umas grandes lições de história.” De cara redondinha, cabelo curtinho, loiro, a emoldurar o sorriso, Olga garante: “É artificial, claro, mas é também muito real.” Todos a bordo?

Como um sol de Moscovo

O sol já arde quando o nosso grupo de turistas avança de autocarro pelas estradas congestionadas desta Moscovo, área onde vivem mais de 12 milhões de pessoas, que parece toda ela em obras e imparável. “Estão a repavimentar tudo, há muita obra”, vai dizendo Elena, a nossa guia. “Vem aí muita coisa até ao Mundial de Futebol de 2018”, sublinha. A cidade renova-se a alta velocidade, ao contrário da nossa viagem. Elena terá tempo de ir pela história, dos mongóis aos czares, da revolução às dificuldades da URSS e após o fim desta até à esperança corrente da vida contemporânea, apesar dos pesares.

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